quinta-feira, 9 de maio de 2013


Sei que muita gente não gosta dele, mas creio que ele tem umas ideias interessantes e - como vê o Brasil a partir de fora (EUA), pode dar outra visão dos mesmos problemas. Roberto M. Unger, brasileiro com sotaque, tem umas ideias que a gente deveria pelo menos considerar. Hoje, transcrevo o artigo de Folha de São Paulo, que nos dá uma visao boa dos problemas gerais que o Brasil atravessa.

Roberto Mangabeira Unger: Mudar de rumo e de ideia

Tendências / Debates
Um Brasil parado? O país cresce hoje menos do que todos os outros grandes países em desenvolvimento e menos até do que os Estados Unidos. Ao marasmo quantitativo se junta o retrocesso qualitativo: subiu a parte da produção e da exportação representada por produtos pouco tocados pelo engenho humano.
Pior do que a estagnação econômica é a situação do ensino. O Brasil ampliou o acesso à educação. Não conseguiu, porém, qualificar o ensino para capacitar os brasileiros. Prevalece enciclopedismo raso, mimético e estéril. A maior parte dos alunos que terminam a escola média mal consegue analisar textos ou manejar abstrações de qualquer espécie.
Esses fatos revelam o esgotamento de modelo de desenvolvimento montado sobre a expansão do consumo e a exploração da natureza. Para superar tal quadro, as forças dominantes no país defendem variantes de um único caminho: a modernização conservadora.
Tornar o Estado mais enxuto e eficaz. Simplificar a tributação, ampliar sua base e atenuar seu ônus. Gastar menos em custeio para investir mais em infraestrutura. "Flexibilizar" o mercado de trabalho. Escolarizar cada vez mais gente com maior eficiência, tratando como mal menor a primazia de quantidade sobre qualidade. Orientar a política exterior a abrir mercados para nossos produtos agropecuários.
Se se implementassem essas e outras partes da modernização conservadora, continuaríamos a ser o que somos hoje: país efervescente, que produz e exporta bens primários, convive com desigualdades entre as maiores já vistas na história da humanidade, deixa a maior parte de seu povo desfalcada de instrumentos e de oportunidades e pouco forma gente que consegue inovar nas práticas, nas instituições e nas ideias. País no qual a maioria não tem como transformar energia humana em ação fecunda.
O Brasil precisa de outro projeto --de produtivismo includente, de educação capacitadora e de democratização aprofundada. Essa alternativa contempla muitas das preocupações do projeto dominante. Altera-lhes, porém, o sentido. Sua tarefa é dar braços, asas e olhos à vitalidade brasileira.
Em vez de buscar desenvolver o país apenas pelo lado de demanda, prioriza o lado da oferta, da inovação, das capacitações e das oportunidades. E entende a democracia como método para continuar mudando sem precisar das crises para facultar as mudanças.
Sete conjuntos de iniciativas compõem o conteúdo dessa alternativa.
1. Preencher as condições práticas para romper, quando nos convém, com figurinos institucionais copiados. Para isso, precisamos forçar elevação da poupança, tanto privada quanto pública, e abrir canais que mobilizem a poupança de longo prazo para o investimento produtivo de longo prazo. A tributação, ainda que racionalizada, tem de permanecer alta para financiar a contribuição do Estado a nossa rebeldia. Poupança e receita garantem a margem de manobra para dar os primeiros passos em novo rumo.
2. Levar muitas das pequenas e médias empresas, nossos agentes econômicos mais importantes, à ponta da inovação, abrindo-lhes acesso ao crédito, à tecnologia e às práticas vanguardistas. É a melhor maneira para assegurar que o paradigma produtivo que começa a se difundir nas principais economias do mundo --flexível, despadronizado, experimentalista-- se estabeleça entre nós de forma includente, não como enclave excludente. O equivalente agrícola a essa política industrial é dotar a agricultura familiar de atributos empresariais e avançar na industrialização descentralizada de nossos produtos agropecuários.
3. Resgatar do emprego informal --quer dizer, da ilegalidade constrangedora-- metade da população economicamente ativa do país . Não basta desonerar e desburocratizar. É preciso também instrumentalizar o empreendedorismo emergente e espontâneo. Só ascenderemos no mundo se apostarmos na valorização do trabalho, na qualificação do trabalhador e do empreendedor e, portanto, na escalada de produtividade. Não temos futuro como uma China com menos gente.
4. Mudar a maneira de ensinar e de apreender. Substituir decoreba enciclopédica por ensino analítico e capacitador, com foco no que mais importa: análise verbal e análise numérica. Só ocorrerá se houver repactuação do federalismo brasileiro para reconciliar a gestão local das escolas com padrões nacionais de investimento e de qualidade.
5. Reconstruir o sistema de saúde, que hoje subsidia, direta e indiretamente, sobretudo por meio do favor fiscal, os 20% de brasileiros com acesso aos planos privados, à custa dos 80% que dependem do SUS. Enquanto aqueles puderem lavar as mãos da sorte destes, jamais se equacionará o financiamento do sistema público. E a maioria continuará a penar nas filas e no descaso.
6. Construir política exterior que sirva a nosso projeto de país. Unir a América do Sul em torno de agenda compartilhada, de produtivismo includente, expressa em iniciativas comuns e tangíveis. Trabalhar por ordem econômica mundial que abra espaço para nossa alternativa. (Hoje, por exemplo, o regime nascente de comércio internacional tenta engessar as inovações institucionais que nos convém. Por exemplo, proíbe, sob o rótulo de subsídios, as formas de coordenação estratégica entre governos e empresas que os países hoje ricos usaram para enriquecer.) Fazer causa comum com os Estados Unidos para nos resguardar contra o país que cada vez mais confronta nossos interesses: a China. Ela aprecia nossas terras e suas riquezas, mas não nos quer inovadores e capazes. O desafio está em reconciliar essa terceira prioridade, que nos aproxima dos americanos, com as duas primeiras, que nos afastam deles.
7. Tratar com seriedade a defesa da nação. A modernização conservadora pretende apenas aplacar as Forças Armadas. Por que gastar dinheiro em defesa quando não há caminho nacional insurgente a defender? Se quisermos, porém, divergir, precisamos poder dizer não. Para isto, temos de desenvolver as Forças Armadas sobre a base das capacitações efetivas, da autonomia tecnológica e da participação nacional. Nossa alternativa precisa de escudo.
Há base social para essa alternativa: aliança de interesses produtivos que reúna desde os grandes, médios e pequenos produtores até as multidões desejosas de seguir a trajetória da nova classe média. O que falta é providenciar a travessia política.
O país arrisca assistir a campanha em que todos os candidatos à Presidência serão adeptos do projeto dominante. Os pré-candidatos de oposição, direta ou velada, estão comprometidos com a modernização conservadora. Claramente o demonstram, por palavras e por omissões, e pela natureza de seus interlocutores, conselheiros e apoios.
E a presidenta? Seu governo não rompeu --quer na prática, quer no discurso-- com o ideário hegemônico. Entretanto, por todas as razões, a começar por sua identidade política, pela dialética da aliança que sustenta seu governo e pelo efeito polarizador da campanha que se prenuncia, é de longe sua a candidatura mais apta para servir à causa da alternativa.
Cabe a nós, cidadãos, nos organizarmos para insistir que o governo da presidenta reeleita lidere a troca de rumo. E para evitar que a campanha presidencial degenere em concurso para determinar quem, entre os candidatos, possa ser mais eficiente na modernização conservadora: agenda que não aproveita o potencial Brasil.
Ação pública em favor da alternativa é o imperativo da hora. A maldição das gerações futuras, a que teremos entregue país apequenado, recairá sobre nós se aguardarmos para ver o que nos vão aprontar. Tratemos de propor e de construir, nós mesmos, cidadãos, outro futuro brasileiro.
ROBERTO MANGABEIRA UNGER, 66, professor na Universidade Harvard (EUA), é autor do manifesto de fundação do PMDB e ativista em Rondônia. Foi ministro de Assuntos Estratégicos (governo Lula)

2 comentários:

Fernando Rezende disse...

Não me vejo entre os que execram Mangabeira Unger, pelo contrário. Já há algum tempo tenho acompanhado algumas manifestações deste metade brasileiro (mãe brasileira), metade estadunidense (pai yankee). Sem dúvidas ele é mais devotado ao Brasil do que muitos brasileiros residentes. Lamento que um intelectual desse porte tenha escolhido ficar em Harward. Mas, quem sabe, retorne ao Brasil algum dia...

Fernando Rezende disse...

Não me vejo entre os que execram Mangabeira Unger, pelo contrário. Metade tupiniquim (mãe brasileira), metade estadunidense (pai yankee), esse intelectual é mais comprometido com o Brasil que muitos brasileiros residentes. Só lamento que um intelectual desse porte tenho escolhido ficar em Harward. Poderia estar no Brasil.