sexta-feira, 21 de abril de 2017

ARQUIVOS DA DIOCESE DE SÃO CARLOS: CARTA PASTORAL DE 1908 D. JOSÉ MARCONDES H. DE MELLO

Sei que estou há muito tempo sem postar, mas acho que vou começar a fazê-lo agora, já que tenho muitos motivos pra postar coisas na minha página. 

Fui encarregado pelo novo bispo de são Carlos de  escrever um livro de história sobre a Diocese. 


Tarefa difícil num páis de quase analfabetos e que não tem a mínima intenção de guardar e respeitar a sua históira. Niso somos muito ingênuos: um país sem história só dá margem a ser explorado pelas suas classes dominantes, suas elites. E temos visto quão podres podem ser as elites (políticas e empresariais) dese país. Por isso, vou começar a postar documentos e imagens que vou achando e colecionando para o livro, que deverá sair em 4 de novembro desse ano.

Vou publicar hoje a carta pastoral de D. José Marcondes aos seus diocesanos por ocasião do início dos seus trabalhos, em 1908.
















segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Católicos genéricos: uma praga nas comunidades

A praga dos católicos genéricos



Usando a expressão de Darcy Ribeiro sobre os índios brasileiros de que hoje só existiam “índios genéricos” salvos raras exceções, creio que temos uma praga nas Igrejas de hoje (especialmente falo das católicas, mas creio que existam em igrejas protestantes e evangélicas também). Creio que temos uma categoria de católicos genéricos que fazem mais mau do que bem.
O que seriam eles? São gente que já foram católicos e (pelos mais diversos motivos já não participam da comunidade). Um dia já foram participantes e hoje não o são. O mal dessa categoria é que eles julgam as atividades e as pessoas de hoje pelos seus critérios do passado, sem perceber que a realidade, a Igreja e as pessoas mudaram. Congelam o passado em nome de um “catolicismo cor-de-rosa” que nunca existiu, nem na época deles. Algo sem conflitos e sem vida, como um museu, que vive no passado e do passado. Se você entra num museu para conhecer o passado, você não entra numa igreja para a mesma coisa. Você entra nela para que o passado (evangelho e outras leituras) atualizem o presente e não vice-versa. Numa Igreja, o passado só tem sentido pelo presente, gerando sentido hoje.
Aqui na minha região de Jaú (com cidades vizinhas), existe muito católico genérico, que – embroa não vá mais nas comunidades, não pague o dízimo, não discuta as questões da comunidade e nem dê o seu tempo em alguma pastoral – ainda julga, critica e questiona cada passo que se dê, crendo que tudo está uma merda.
O que esses católicos genéricos não sabem é que eles não são mais católicos há muito tempo. Cristianismo tem uma raiz familiar, então se você não participa mais dos encontros de família e não convive mais com os seus parentes, você não tem o direito de criticá-los e de pedir ajuda numa necessidade. Sei que parece duro, mas é verdade. O Papa Francisco tem feito um apelo à misericórdia e quer nos colocar nessa dinâmica a partir do Ano Santo do Jubileu.
Eu peço o mesmo: será que esses católicos genéricos não podem ter um pouco de misericórdia e deixar as pessoas trabalhar para a renovação da Igreja? Ou teremos que sempre ficar repisando o século XVI, onde muitas coisas pararam de evoluir?

Por favor, mais misericórdia e menos críticas. E se quiser criticar, vá lá e dê a sua contribuição, pessoal, financeira e de tempo. Aí você terá direito de opinar. O resto é só arte do demônio para atrapalhar quem faz alguma coisa. Acredito que ele exista e aja, mas não acredito que ele continue entrando em corpos pra vomitar suco de abacate. Creio que desse jeito de critica paralisadora, ele faça muito mais estrago na Igreja de Cristo. 

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Somos um país sujo

Creio que nós brasileiros, antes de sermos cordiais, apolitizados e os cambaus, somos um  país onde a sujeira domina em todos os sentidos.
Sujeira nas ruas - tenho visto e me decepcionado como meus concidadãos. Por onde se vá se vê garrafas pet, papéis, sacos de plástico e outras porcarias nas ruas. É isso mesmo que entope os bueiros, que causa inundações localizadas, que causa a dengue em tempos de chuva. Além de fornecer matéria orgânica para a proliferação de ratos, baratas e outras espécies animais que transmitem doenças para todos os humanos. Mas a gente insiste em não perceber que isso tem uma relação de causa e efeito e deixa tudo para ser culpa do "governo" (com significação genérica e sem definição mesmo). Sem lembrar que eu e você que deixamos o lixo fora do seu lugar próprio que é a lixeira. E que esse mesmo lixo no lugar é que faz a beleza de paisagens no exterior que gostamos tanto de visitar.
Sujeira na educação - nossos professores passam grande parte do tempo pedindo silêncio e tentando colocar a disciplina no lugar, em vez de dar aulas. Com esse tanto de sujeira entupindo o tempo das aulas, não é à toa que nossos alunos não aprendem e tiram notas baixas, ou são semianalfabetos com diploma acadêmico.
Sujeira no silêncio - nossas cidades são um barulho imenso, coisa que não tenho testemunhado quando saio do país. Assim, não se consegue dormir, pensar ou ser produtivo. Com tanta sujeira sonora, não dá pra pensar e raciocinar direito. É barulho de motos, carros de som, música alta dos vizinhos, televisões ligadas em último volume. Parece que a maior parte dos brasileiros são surdos. Sem contar que isso ajuda a que você não preste atenção no que o outro diz, causando muitos desentendimentos familiares, amorosos e profissionais que poderiam ser evitados.
Sujeira nas relações comerciais e políticas - a corrupção é a sujeira das relações que deveriam ser limpas, pensando no bem comum. Em vez disso, temos propinas que ajudam a pensar nos interesses de grupos e de lucros setoriais. Estamos passando o Brasil a limpo, estamos mesmo? Espero que sim, mas as notícias de que empresários e políticos continuavam dando e recebendo propinas mesmo em meio às investigações da Polícia Federal não me animam muito. Precisamos de muitas cadeias e de muitos acordos de delação premiada mais. Parece que esses ainda não limparam toda a sujeira, só deram uma retirada do mais grosso...
Reciclar é a ordem geral certo? Não. Antes de reciclar precisamos DIMINUIR O LIXO PRODUZIDO. Também nas nossas relações precisamos diminuir o lixo produzido e ser mais honestos e limpos, intelectualmente, acusticamente, politica - comercial e empresariamente, e até ecologicamente.
Passar a limpo nossa sociedade brasileira é necessário, mas precisamos parar de produzir tanto lixo. É mais barato e mais inteligente.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Sobre a crise

Não sou economista, embora dê aulas na Faculdade de Administração. E nem tenho formação na área. O que vou escrever aqui é apenas fruto da minha intuição e das minhas observações da realidade. Se Alguém quiser me contestar, tudo bem.
Muito se fala sobre a crise econômica e política que se abateu sobre o Brasil. Não desprezo nem as notícias nem os dados da realidade.
Mas vivo em uma cidade de menos de 30.000 habitantes (o meu amigo e teólogo falecido José Comblin diria que é uma vila!). Aqui - qdo passo pela rua encontros todos os pedreiros, eletricistas e outros profissionais trabalhando a pleno vapor - nem parece que temos crise.
Na minha opinião, creio que o interior sofre menos os efeitos da crise porque nós anadamos menos de carro e por isso, gastamos menos em outras coisas. O que nos dá a possibilidade de economizar um tanto e criar uma certa "gordura" no bolso. Algo que podemos gastar menos e viver um pouco melhor, sem tanta doença ou contas pra pagar.
O que vc acha? Tenho alguma razão? Comenta em baixo por favor.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Tatuagem religiosa: Texto completo

ENSAIO SOBRE A LINGUAGEM RELIGIOSA DA TATUAGEM

Dr. Paulo F. Dalla-Déa*
  

1.     TATUAGEM: DO TABU À EXPRESSÃO DE SI

Vista como marcação de uma pessoa como fora-da-lei, no início do século XX, a tatuagem evoluiu para a sua introdução na cultura pop do final do século XX. Essa passagem, de cultura underground para a sua valorização cult foi um grande passo. Vista como forma demoníaca de marcar o corpo pelos religiosos mais fundamentalistas e por muitos pentecostais (Cf. Lev. 19,28), foi se resinificando à medida que a sociedade não precisa mais de uma tutela religiosa para dizer o que se pode ou não fazer[1]. Por fim, no final do século XX e início do século XXI, acabou caindo no gosto popular dos jovens numa cultura icônica que usa mais as imagens do que as palavras para comunicar. O que começou como inspiração religiosa e ritual de inúmeros povos da humanidade nos mais diversos tempos, passando a ser considerada demoníaca pela cultura cristã e underground no mundo das prisões. Atualmente,  expressa-se como forma religiosa não institucionalizada e permitida por uma sociedade que se percebe secular. Um salto desse só poderia existir no interior de uma cultura que valoriza a identidade pessoal do grupo ou tribo com uma cultura icônica surgida a partir da comunicação informacional em rede. Identidade pessoal e imagem não se contradizem, mas se somam e se reforçam. Na atual sociedade do espetáculo de G. DEBORD, a imagem vale mais do que a sua fonte, a cópia mais do que o original, porque pode ser reproduzida à exaustão, num espetáculo.
Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação. (2003, p. 8)
A cultura informacional atual cultua a imagem como dado, como informação e como espetáculo de si mesma. O corpo, introduzido nessa lógica de produção e reprodução espetacular passa a ser valorizado pelo que expressa e representa, pela silhueta que mostra e pelo simbólico que traz à tona. A imagem inscrita sob a pele se torna uma epifania do que se quer mostrar: uma máscara do desejo de representação que se quer imprimir na mente de quem vê: é um fetiche de si mesmo. Uma epifania do self, uma forma de se realizar o desejo na imagem que se projeta sobre a visão e a mente do outro. A tatuagem é um signo, um sinal que se quer expressar o próprio ser ou uma mensagem ao outro. Como tal pode ser decodificada de muitas formas, como nos ensina BAKHTIN (2006, p. 29)
Os signos também são objetos naturais, específicos, e, como vimos: todo produto natural, tecnológico ou de consumo pode tornar-se signo e adquirir, assim, um sentido que ultrapasse suas próprias particularidades. Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico, etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.). O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico.
A pele inscrita se insere na categoria não mais da biologia, porque cumpre uma função de tela de projeção do interior ao exterior, podendo ser ideologizada ou não, estando sujeita às regras semióticas e às suas interpretações. Segundo COSTA (2011, p. 3):
Além do significado para si mesmo, a pessoa deve ter consciência de que a tatuagem fará parte de seu corpo para sempre e tem pelo menos três significados: o “normal”, o “de cadeia” e o que significa para psicólogos das empresas aquele desenho no corpo do interessado em ser contratado. Assim, todo o cuidado é pouco.
A pele não é mais apenas a pele do corpo, mas passa a inserir uma mensagem a ser interpretada por quem vê. Expressão de dor, de alegria, de frustração, de sensualidade, de alegria, de bons momentos ou de amor, ela também expressa o sentimento religioso. E uma vez feita um desenho na pele, as interpretações que toma são independentes do significado que quem fez. Como toda interpretação semiótica, a leitura feita pelo leitor pode coincidir ou não com a do autor ou simplesmente ultrapassá-la. Assim, a religião está marcada na pele como forma de manifestação de um sentimento religioso difuso do dono do corpo. Sentimento que não precisa estar vinculado a uma igreja ou comunidade de fé, mas que lhe cria um vínculo com o seu grupo de iguais:
O mesmo sinal que é experimentado por um como um enfeite corporal, para outro acompanha uma experiência "espiritual" que marca a sua vida. (...) Se para os mais velhos a tatuagem é um gesto meditado, ela dá aos mais novos um intenso sentimento de existir, favorecendo o reconhecimento pelo grupo de pares.[2] (LE BRETON, 2010, p. 832.)

2.     A TATUAGEM COMO EXPRESSÃO RELIGIOSA

Imagens de Jesus, de Maria[3], dos santos ou de Buda, textos dos salmos (ou da Torá, do Korão ou dos Upanishads), medalhas de São Bento, figuras mais tradicionais ou mais modernas de anjos (e demônios), nomes e textos em hebraico ou em latim. Segundo COSTA (2011, p. 2):
Carregados de significado, os desenhos podem representar desde escolhas religiosas até fatos marcantes na vida de uma pessoa, ou simbolizar seu lado psicológico e suas atitudes, afinal ninguém colocaria em seu corpo algo definitivo que não tivesse algo a ver com seu gosto ou maneira de ser.
Tudo pode ser tatuado em uma pele a fim de expressar um sentimento religioso, que pode ser de gratidão, de dependência ou mesmo expressão de uma moda, estando sujeita à lógica de suas variações.  Peter BERGER (1973, p. 65) diria que:
O individuo moderno existe numa plausibilidade de mundos migrando de um lado a outro, entre estruturas de plausibilidade rivais e muitas vezes contraditórias, cada uma sendo enfraquecida pelo simples fato de sua coexistência involuntária com outras estruturas de plausibilidade. (...) É muito, muito difícil estar cognitivamente entre nous na sociedade moderna, especialmente na área da religião. É este simples fato sociológico, e não alguma mágica inexorável de uma visão “científica” do mundo, que está na base da crise religiosa da plausibilidade.
Referendando a citação acima, D. HERVIEU-LÉGER (2008, p. 89-90):
Essa “religiosidade peregrina” individual, portanto, se caracteriza, antes de tudo, pela fluidez dos conteúdos de crença que elabora, ao mesmo tempo em que pela incerteza das pertenças comunitárias às quais pode dar lugar.
Essa nova expressão de espiritualidade (no dizer de P. BERGER, “um rumor de anjos”) não se caracteriza por uma adesão a um grupo religioso (crença). Expressão de uma fé difusa pode expressar um desejo e uma face religiosa sem mesmo estar ligada a uma crença particular. Haja vista o número cada vez maior dos “sem religião” nas declarações do Censo do IBGE. Não quer dizer que haja um aumento do “ateísmo[4]”, já que o próprio ateísmo é uma crença particular, um grupo militante determinado contra a religião e suas manifestações “obscuras”. No grupo dos “sem religião”, o que se observa é um número grande de pessoas decepcionadas com a crença de sua fé (= igreja ou comunidade religiosa) que dizem poder ser religiosas sem igrejas definidas. Desse modo, não abandonaram sua religião, apenas abandonaram suas igrejas por falta de plausibilidade ou de coerência[5]. Caracterizadas por um patchwork[6] da fé, a pós-modernidade[7] se encarna no grupo dos “sem religião”. Ironicamente, o grupo que mais tem crescido na população brasileira nas últimas décadas.

3.     TATUAGEM: UMA FORMA DE SER RELIGIOSO?

Inscrições sob a pele são tradicionalmente, em muitas culturas, ritos de passagem. O tatuado (ou sua comunidade) expressa que algo morreu e iniciou uma nova vida. Vida e morte são temas absolutamente humanos e ligados à religião, sob quaisquer formas. O renascimento da tatuagem como forma cool de ser está ligado a uma cultura da imagem contemporânea e a um renascimento da manifestação religiosa, fenômenos que – para nós – estão absolutamente ligados.
VAN GENNEP, quando fala dos ritos de passagem, mostra que eles são normalmente formas de marcar a saída da puberdade e ingressar no universo adulto de um grupo cultural:
A distinção entre puberdade física e puberdade social é ainda mais nitidamente observada em certas cerimônias dos Toda. (2013, p. 75)
(...) No fundo, os semicivilizados (sic!) não procuraram muito longe, mas fizeram cortes em órgãos que, como o nariz e as orelhas, atraem o olhar porque fazem saliência e podem, em consequência de sua constituição histológica, sofrer todos os tipos de tratamento sem causar dano nem à vida nem à atividade do indivíduo.  (...) As mutilações são um meio de diferenciação definitiva. Outras há como o uso de vestuário especial ou de uma máscara, ou ainda as pinturas corporais (sobretudo com minerais coloridos) que marcam uma diferenciação temporária. São essas que vem desempenhar considerável papel nos ritos de passagem porque se repetem a cada mudança na vida do indivíduo. (2013, p. 76-77)
Se considerarmos um rito de passagem, a pessoa que faz uma tatuagem em sua pele estará querendo fazer um batismo? Seria então uma forma de se iniciar em um grupo? Mas que grupo? Se considerarmos a posição privilegiada de um antropólogo há muito ligado à juventude contemporânea, como LE BRETON, vamos suspeitar que a tatuagem é a ritualização de si mesmo, um rito de passagem para a vida adulta a partir do sentido que brota internamente ao indivíduo:
A juventude é um tempo de espera, um período de tateio propício à experimentação de papeis, à exploração do ambiente, à pesquisa dos limites entre si mesmo e os outros, entre si mesmo e o mundo; é uma busca intima de sentido e de valores. (...) Por ocasião da adolescência, realiza-se a simbolização do ato de existir e o ingresso ativo, como parceiro com todos os direitos, em uma sociedade em que é possível experimentar em si mesmo o gosto de viver. (2009, p. 32-33)
Se seguirmos a pista de LE BRETON, teremos que dizer que o símbolo tatuado brota da “necessidade interior” (mesmo que esteja alicerçada também na moda em vigor). Assim, as tatuagens religiosas seriam um rito de passagem de dentro para fora: um desejo interno realizado para se integrar ou ligar a um grupo exterior de sentido vital. Uma forma de expressar o self.
Conversando informalmente com um padre salesiano[8], ele me disse que já foi solicitado que benzesse uma tatuagem. E que ele o fez como qualquer imagem, já que era uma imagem religiosa. Como a bênção é uma forma de validação grupal, além de ter outros significados, poderemos dizer que o indivíduo queria uma validação da sua igreja de um desejo interior expressado pela tatuagem. Um desejo interior que precisa ser validado  exteriormente pelo grupo religioso. Será que alguém da família ou dos amigos da igreja condenasse a feitura de uma tatuagem e para isso seria preciso dizer que ela foi abençoada (= validada pelo sacerdote do grupo)?[9] Claro que essas são conjecturas que deveriam ser mais bem investigadas e aqui foram colocadas apenas como exemplificação do argumento principal.
Concordamos com o raciocínio de LE BRETON em que a tatuagem é um rito exterior mais brando (soft) do que ritos de ordália (mais brutais), que põem em risco a vida ou a integridade física de jovens com maiores dificuldades interiores de fabricar o próprio sentido da existência. Como fabricação do próprio conteúdo, a tatuagem toca no tema da autonomia identitária. Ela confere – através de uma interpretação própria do símbolo religioso – uma possibilidade de significação individual do símbolo que funciona ao mesmo tempo como síntese pessoal e como possibilidade de sentido interior. Algo que se poderia chamar de expressão do núcleo duro da religião pessoal de quem coloca uma tatuagem religiosa em sua pele. O corpo é dele, o significado é dele, embora o símbolo usado seja anterior à tatuagem e o significado coletivo para quem vê possa ser diferente do que o dono da pele lhe confere.
O símbolo na pele reflete o interior do significado religioso da tatuagem e lhe refrata (BAKHTIN, 2006) o que o indivíduo conseguiu sintetizar do que recebeu, quase um feedback da catequese recebida, direta ou indiretamente, daquele grupo religioso. Embora não precise manifestar uma adesão ao grupo, a tatuagem expressa uma forma de devolução interpretativa do que se absorveu como hermenêutica pessoal. Uma análise psicológica e antropológica da tatuagem cabe na possibilidade de visão desse fenômeno, embora seja muito além desse texto.

4.     O ESPAÇO ESTÉTICO E A PRESENÇA DE DEUS

Bento XVI e Lúcia Pedrosa DE PÁDUA nos lembram de que entre os espaços em que Deus se manifesta a uma pessoa está o espaço da beleza. A Catequese da Beleza de Bento XVI ficou famosa, inclusive nos meios católicos. Lá Bento XVI (2011) aponta algumas formas de beleza estética que nos levam até Deus: as catedrais góticas e as igrejas românicas; as músicas clássicas (J. S. Bach) e a música sacra; quadros e afrescos; a natureza. Bento aponta para obras antigas e já consagradas. Aqui se manifesta o seu senso clássico e europeu: a busca da beleza em obras consagradas é a via mais fácil de fazer. Mas ele tem razão ao afirmar:
A visita aos lugares de arte, portanto, não seja somente ocasião de enriquecimento cultural – embora também isso – mas, sobretudo, possa tornar-se um momento de graça, de estímulo para reforçar o nosso vínculo e o nosso diálogo com o Senhor, para parar e contemplar– na transição da simples realidade exterior à realidade mais profunda que expressa – o raio da beleza que nos atinge, que quase nos "fere" no íntimo e nos convida a subir a Deus. (p.2)
A teóloga DE PADUA (2013), seguindo uma via mais mística aponta outras possibilidades da manifestação da transcendência de Deus. E chegando ao espaço da beleza, aponta ainda para o campo científico, incluído como espaço de beleza. E para o âmbito ético, que faz que a fé resplandeça em boas obras.
Se for verdade que a obra de arte expressa mais do que se pode pensar num primeiro momento – ou como diria Bakhtin, um símbolo reflete e refrata e não se acaba na intenção de quem o criou, mas se refaz em relação com a interpretação/leitura do leitor – o desafio aqui é pensar não nas obras clássicas e já consagradas, mas pensar nas manifestações contemporâneas das obras de arte. Aqui se inscreve o esforço em pensar a tatuagem como forma de manifestação de um artista ou de manifestação de uma pessoa que quer que o seu corpo esteja marcado e inscrito com um desenho que expresse algo de religioso.
Como Lúcia DE PÁDUA, podemos falar aqui de espaços de Deus. Eu diria novos espaços de Deus. Espaços de expressão artística, mas também espaços de desejos de Deus. Se for verdade que a sociedade atual desinstitucionalizou a religião, será também verdade de que a arte pop da tatuagem é um novo espaço para os artistas e para os que sentem falta de Deus no espaço público. Ou para os que querem expressar os seus sentimentos religiosos em um espaço público e provado ao mesmo tempo, como é o corpo. Por ele, nossas relações e inter-relações humanas acontecem, sendo ao mesmo tempo um espaço privado e público. Um espaço público que não pode ser regulado pelas leis até agora inventadas. Se na Europa e em outros países, se pode proibir de se levar um crucifixo ou uma burca em público, não se pode proibir de se fazer uma tatuagem, já que o corpo é espaço privado, embora também proporcione inter-relações públicas.
Assim, as tatuagens religiosas podem expressar uma forma de expressar surda de um desejo da criatura pelo seu criador. Uma forma de expressão e manifestação que ainda não tem um canal mais próprio e politizado, mas um canal que expressa um desejo das novas gerações. De gerações que se manifestam em uma sociedade do espetáculo com formas imagéticas de se expressar. Mais do que com palavras, a comunicação tem sido feita por imagens que expressam conceitos. Nesse círculo hermenêutico parece repousar a linguagem da tatuagem como expressão e manifestação de um sentimento religioso que parece brotar de dentro do humano e se fixar em sua pele. Um verdadeiro espaço de manifestação de um Deus que quer se revelar e se sentir próximo do humano. De um humano que – mesmo inconscientemente – parece exclamar como AGOSTINHO:
Tarde te amei, Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que estavas dentro de mim, e eu lá fora, a te procurar! Eu, disforme, me atirava à beleza das formas que criaste. Estavas comigo, e eu não estava em ti. Retinham-me longe de ti aquilo que nem existiria se não existisse em ti. Tu me chamaste, gritaste por mim, e venceste minha surdez. Brilhaste, e teu esplendor afugentou minha cegueira. Exalaste teu perfume, respirei-o, e suspiro por ti. Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tocaste-me, e o desejo de tua paz me inflama. (1999, p. 285)
As tatuagens religiosas na pele de tantos homens e mulheres de hoje manifestam inconscientemente o desejo de Deus e – ao mesmo tempo – um sentimento de religiosidade que brota de dentro pra fora. A pele se torna um solo sagrado lugar inesperado de manifestação de Deus numa sociedade de tantas opressões: como a sarça para Moisés. Lugar da surpresa do profeta e da experimentação de um sagrado que surpreende. (Ex. 3)

5.     TATUAGEM COMO BANDEIRA A SER LEVANTADA?

Quando se fala de secularismo, posso pensar em três formas básicas:
·         Secularismo pelo excesso (normas, discursos, condenações morais, etc), que supõe certa forma de legitimação da religião;
·         Secularismo pela negação da plausibilidade exterior da religião, que supõe que a religião deveria ser destruída (falência de fora pra dentro pela proibição ou pelo ataque à religião) ou finalizada (falência de dentro pra fora, pelo abandono dos fiéis);
·         Secularismo pela carência de coerência do discurso e da prática religiosa dos líderes dos grupos religiosos em geral. Discurso pacifista e decretação de guerras religiosas de todos os tipos estão nesse rol.
O primeiro tipo foi apoiado pelo Vaticano II quando fala da autonomia das realidades terrestres e da positividade do termo mundo, não mais encarado como entidade religiosa anti-Deus, mas como sociedade de humanos que tem graça e pecado misturados nela. Mas esse tipo de secularismo a religião continua com a sua plausibilidade social embora com uma margem de ação diminuída em relação ao passado. Quando o Vaticano II diminui os ritos e simplificou as fórmulas, traduzindo para a língua vernácula, estava apoiando esse tipo de secularismo. O que se chamava de aggiornammento da Igreja era de fato um desvestir-se, um simplificar-se, um valorizar ações que antes eram vistas como heresias, como contra a religião e contra Deus. Mas a plausibilidade da religião e de seus representantes nunca foi tocada, continuava a mesma, embora com uma lógica que queria ser menos afinada coma a filosofia e com a política do que com o Evangelho de Jesus.
O segundo tipo é o secularismo pregado por certas correntes da filosofia (e do ateísmo) que combate a religião pelos seus excessos do passado e pelo ataque no presente. É a postura de quem se tornou combatente contra todo tipo de pensamento religioso, inofensivo ou combativo. Deus não existe, isso deveria ser evidente, deverá ser demonstrado e todo tipo de embaixada do divino na terra (religiões) é sempre um desserviço a toda a humanidade. Embora ainda vivo em vários bastiões, esse é um tipo de secularismo militante que se manifesta em ser tão religioso em seu fervor quando os discursos e representantes religiosos que combate. Recentemente, gerou até uma postura tão militante que agora se tornou missionário: faz propagandas em ônibus (Londres) e em outdoors (Porto Alegre).
O terceiro tipo, que foi bem teorizado e descrito por HERVIEU-LÉGER, é o secularismo que gera o peregrino religioso que não mais caminha de um lugar a outro em busca de um solo sagrado, mas aquele que peregrina de um grupo religioso a outro buscando a coerência interior dos discursos e dos líderes que se enquadre na sua visão de coerência religiosa.
Os dois tipos de secularismo anteriores descritos ainda existem, mas tem lá seus nichos. O primeiro é combatido internamente pela corrente tradicionalista que crê que não se deve desvestir a religião dos seus excessos, mas devem-se conservar tudo como está, mesmo que sejam tradições que não remontem às mais antigas tradições e que acabem gerando fundamentalismos dos mais diversos. Nesse caso, temos aqui tanto cristãos, como judeus, como hindus, como muçulmanos combatendo esse tipo de secularismo.
No segundo tipo, temos uma guerra entre ateus e religiosos de todos os credos e cores, gerando morte e destruição por todo lado, especialmente da lógica mais simples: combater a guerra não se faz com terror, mas com gestos de inclusão, fraternidade e perdão, que geram novas relações que irão frutificar em paz, interna e externa.
O terceiro tipo, o do peregrino religioso parece repousar na força da coerência interna que os grupos religiosos não estão conseguindo passar para seus membros, por mais catequese e formação de seus membros que isso tenha custado. O que leva o peregrino a sair de seu espaço todo dia e caminhar até o local sagrado é a esperança de que uma hora a caminhada irá acabar e que o solo sagrado irá estar aos seus pés. Se atualmente as pessoas caminham de grupo religioso para grupo religioso, o que está em jogo não é a plausibilidade da religião (nunca negada), mas a plausibilidade de coerência interna e externa dos discursos e da vida dos grupos religiosos. Por isso, socialmente, o fenômeno aparece na pós-modernidade (modernidade tardia, como queiram) como trânsito religioso.
A religião não é negada em si, mas se está procurando qual grupo é melhor de se viver. Hoje não basta ter nascido nesse ou naquele grupo e ter sido configurado vitalmente por tradições essas ou aquelas. A religião que se procura como solo sagrado a se pisar é um espaço de plausibilidade interior. E isso, segundo as tradições cristãs, só será possível de ser achar quando a Nova Jerusalém descer do céu, no final dos tempos (Ap. 21)
Todo peregrino sonha com o final de sua peregrinação, com chegar ao solo sagrado tanto esperado e almejado. No caso do atual peregrino religioso sonhar achar um grupo perfeitamente coerente de discurso e de vida não é uma coisa fácil e beira ao esforço sobre-humano e suicida dos índios Guaranis procurando a Terra sem Males. Um mito que eles preferiam morrer a admitir o final da caminhada. Os Guaranis morriam sonhando e andando em busca dessa terra prometida.
Mesmo procurando um grupo religioso para chamar de seu, os atuais humanos do século XXI não rejeitam a religião como espaço de plausibilidade social, embora critiquem os seus excessos e admitam que se possa trocar de grupo religioso, pois se Deus é absoluto, as religiões são muito relativas. Isso dá a todos um sentimento de que as relações religiosas (assim como todas as outras) são líquidas (BAUMAN) e estão aí para se adaptar aos recipientes em que são colocadas.
Por isso, mesmo em um ambiente secularizado como a das sociedades atuais há a possibilidade de se levantar a bandeira do religioso, mesmo de forma particular e individual. O sentimento e a percepção de muitos de que existe uma religião indiferenciada e amorfa (que não gera prática e ligação concreta com um grupo religioso, em forma de adesão) é verdadeira. A religião não perdeu a sua plausibilidade, apenas perdeu espaço institucional na atual sociedade. Autores antigos diziam que o homem é um animal religioso e possivelmente têm razão. A tatuagem religiosa parece ser uma forma de plausibilidade interior projetando ao exterior. Seria ela uma forma de transgredir o discurso antirreligioso de muitos ou de transgredir o próprio discurso religioso que dizia para não fazer tatuagens no corpo porque eram formas satânicas de ser? Não parece que uma tatuagem de Jesus Cristo, de Nossa Senhora (em suas diversas formas) ou mesmo de Gandhi ou Buda sejam formas de se cultuar o demônio, embora essas formas satânicas também existam em pessoas que fazem as suas tatuagens. Tatuar o demônio parece ser tão religioso como tatuar Jesus Crucificado na pele, embora tenha significados diferentes. Seriam transgressão ou não? Transgressão a quem e por quê? Uma tatuagem parece mais uma bandeira empunhada a favor da religião do que do discurso secularista que tenta abolir e proibir toda religião na sociedade do século XXI. O mesmo fenômeno que gera a tatuagem religiosa também gera o discurso religioso na música e na poesia, nos blogs e nas críticas dos homossexuais à homofobia dos discursos religiosos. A religião não foi descartada com a evolução e o aprofundamento da ciência, mas parece conviver bem com ela.  Podem-se encontrar crucifixos e ícones religiosos até em estações espaciais habitadas por astronautas. E o tema religioso não é estranho a bilheterias de sucesso no cinema comercial (Harry Potter, Percy Jackson, A Paixão de Cristo, Anjos e Demônios, Noé, Thor e muitos mais) e em séries televisivas (Sobrenatural, Grimm). Há ainda muitos roteiros literários e de cinema que tem a discussão sobre a religião embutida em muitos aspectos. E há tantas capas de revistas que vendem o fenômeno religioso, tanto de forma positiva como de forma negativa. Esses são só alguns exemplos de uma religiosidade diária que não escapa da vida de ninguém.
A existência de uma atitude religiosa difusa nesse século, embora os teóricos do século XIX e XX cressem que a religião iria ser abolida com a ciência[10], parece dizer que o que se critica hoje não é a religião em si (ou mesmo a existência de Deus), mas os grupos religiosos que tem discursos incompatíveis com as suas crenças e práticas. O fenômeno do trânsito religioso, apurado no Brasil e em outras partes do globo terrestre parece não só ser parte de uma globalização geral, mas ser coerente com a incoerência de muitos grupos religiosos. Buscando uma lógica interna forte e fiel a si mesmo, o peregrino religioso descrito por HERVIEU-LÉGER parece ser um ser dotado não só de conformidade com a própria tradição religiosa, mas carente de exercer o seu próprio livre arbítrio e a sua autonomia religiosa.

6.     Ideias à flor da pele

Numa sociedade que se manifesta mais com ícones do que com palavras e discursos, as tatuagens religiosas são formas poderosas de expressão. Se na sociedade ocidental do século XXI qualquer um tem possibilidade de construir – das mais diversas formas – o próprio corpo como auto escultura, o desenho na pele não só manifesta uma forma de expressão (como histórias em quadrinhos - HQ). Mas se torna uma forma de auto expressão religiosa, em forma de ausência (desejo) ou de presença (bandeira a ser hasteada). Como forma de ausência, torna-se uma manifestação de enfrentamento de uma sociedade que quer ser oficialmente não religiosa. Como forma de presença, manifesta-se como bandeira hasteada, mostrando que o sentimento religioso (mesmo que vago) é um valor importante para a pessoa que se fez marcar na pele.
Também a tatuagem religiosa é uma forma de transgredir, não só a religião oficial, mas também a sociedade secular, manifestando-se como moda religiosa. Fator de consumo efêmero, mas também de permanência tanto histórica como sentimental. E, sobretudo, espiritual. Um espiritual que ainda não chega a ser especificamente cristão, mas que aponta um campo fértil para uma atitude de fé mais profunda e enraizada no Evangelho.

Referencias bibliográficas

1.      AGOSTINHO – Confissões – trad. de J. O. Santos e A. A. de Pina. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).
2.      BAKHTIN, Mikhail - Marxismo e filosofia da linguagem - 12ª Ed. HUCITEC, 2006.
3.      BAUMAN, Z.; DONSKIS, L. – A cegueira moral: perda da sensibilidade na modernidade líquida – trad. Carlos A. Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
4.      BENTO XVI – Deus, arte e beleza, quarta-feira, 31 de agosto de 2011. In: http://noticias.cancaonova.com/catequese-de-bento-xvi-deus-arte-e-beleza/, 25 de abril de 2015.
5.      BERGER, P. L. Um rumor de anjos – a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural – trad. Waldemar Boff. Vozes: Petrópolis, 1973. Coleção Antropologia 4. 128 p.
6.      BÍBLIA DE JERUSALÉM – trad. em língua portuguesa baseada na nova edição francesa, inteiramente revista e aumentada (Éditions du Cerf, Paris, 1973), São Paulo: Paulinas, 1982.
7.      BONHOEFFER, D. – Resistência e submissão: cartas e anotações escritas da prisão – trad. Hélio Schneider. São Leopoldo – RS: Sinodal/EST, 2003.
8.      COSTA, L. A. G. – Tatuagens de A a Z: tudo o que você sempre quis saber sobre tatuagens e seus significados. Curitiba: A. D. Santos Editora, 2011.
9.      DE PADUA, L. P. – Espaços de Deus: pistas teológicas para a busca e o encontro de Deus na sociedade plural, p. 21 – 46. In: DE OLIVEIRA, P. R.; DE MORI, G. (orgs.) – Deus na sociedade plural: fé, símbolos, narrativas. São Paulo: Paulinas, 2013.
10.  DEBORD, G. (1931-1994) – A sociedade do espetáculo - tradução em português: www.terravista.pt/IlhadoMel/1540 e paráfrase em português do Brasil: Railton Sousa Guedes e Coletivo Periferia www.geocities.com/projetoperiferia, 2003. Acesso em 06 fevereiro de 2015.
11.  FERNANDES, S. R. A. (org.) – Mudança de religião no Brasil: desvendando sentidos e motivações. Rio de Janeiro: CNBB/Palavra e Prece, s.d. (Coleção CERIS)
12.  HERVIEU-LÉGER, D. – O peregrino e o convertido: a religião em movimento – trad. João Batista Kreuch. Petrópolis: Vozes, 2008.
13.  IRWIN, W.; BASSHAM, G. (orgs.) – A versão definitiva de Harry Potter e a filosofia:  Hogward para os trouxas – trad. G. L. Libralan. São Paulo: Madras, 2011.
14.  LE BRETON – Antropologia do corpo e modernidade – trad. Fábio dos S. C. Souza, Petrópolis: Vozes, 2013.
15.  LE BRETON, D.; MARCELLI, D. – Dictionnaire de l´adolescence et de la jeunesse. Paris: Quadrigue/PUF, 2010.
16.  VAN GENNEP, A. – Os ritos de passagem – trad. Mariano Ferreira. Petrópolis: Vozes, 2013. (Coleção Antropológica)



* Pós-doutor em Ciências da Religião pela Université Laval (Canadá) em 2013. Doutor em Teologia pela Escola Superior de Teologia (EST) de São Leopoldo – RS. Professor titular de Sociologia e Filosofia da UNIESP em Jaú - SP. E-mail: paulo_fernando@hotmail.com.
[1] D. BONHOEFFER já teorizava essa emancipação da tutela religiosa em 1943, na Alemanha de Hitler.
[2] Le même signe est vécu par l’un comme un embellisement corporel, pour un autre il accompagne une expérience « spirituelle » qui bouleverse sa vie.  (...)  Si pour les aînés le tatouage est um gest plus médité, il procure aux plus jeunes um sentiment intense d’exister em favorisant leur reconaissance par le groupe de pairs. 
[3] Conversando informalmente com tatuadores no interior de São Paulo descobri que o que mais se inscreve em uma pele tem sido a imagem da Virgem Maria, sob diversas expressões. Jesus vindo em segundo lugar. O fato, que precisa ser mais bem investigado, pode expressar quanto a figura de Maria, mãe de Jesus, é popular entre os católicos. E pode expressar também formas de canalização de dependência com a figura materna, prefigurada na figura de Maria. Sob um ponto de vista estritamente pessoal, arriscaria dizer que tatuar a figura de Maria na própria pele acaba numa reivindicação implícita (por parte do tatuado) de ser Jesus ou – de alguma forma se equiparar a ele, mesmo que seja na forma de um super-herói.
[4] Ver o inspirador texto de FERNANDES, Silvia Regina Alves - Sem religião: a identidade pela falta? In: FERNANDES, S. R. A. (org) – Mudança de religião no Brasil, p. 107 – 118.
[5] Não quero entrar fundo nessa polêmica, mas pela interpretação que faço do fenômeno, o que temos não é um ateísmo mas uma espécie de “depressão de fervor religioso” fruto de uma crise de falta de sintonia entre o discurso religioso e a prática das pessoas que congregam num grupo religioso, especialmente das suas lideranças. A religião não entusiasma mais, por isso deixa de congregar as pessoas, que deixam de ir aos seus cultos e espetáculos (e deixam de contribuir pessoal e financeiramente). O que temos é um aumento da passividade e o aumento da atitude de “crítica metódica” cartesiana em relação às interpretações do Evangelho. O núcleo duro da religião não parece ser abalado, mas a sua conectividade com o real e com o social.
[6] Não se pode esquecer que a atitude de patchwork não deixa que a vida seja interferida pela fé. Assim, as normas morais não são regidas por uma moral extrínseca, ditada pelos dirigentes do grupo, mas por uma moral intrínseca – coerente ou não – ditada pela própria autonomia/dependência moral.
[7] Não vou fazer aqui a discussão entre pós-modernidade, ultramodernidade, modernidade tardia. Tomo o termo aqui com o significado de contemporâneo.
[8] Padre Luís Alves de Lima, salesiano e grande teórico da catequese do Brasil. Doutor pela Universidade Salesiana de Roma.
[9] O episódio lembra Jesus mandando que o grupo de leprosos (= gente com problemas/marcas na pele), que eram excluídos da sociedade de seu tempo, fossem se apresentar aos sacerdotes para ter a cura validada (Cfr. Lucas 17, 12-19). Claro que – nesse episódio – Jesus propõe a ida com uma proposta de caminhada de fé: ir aos sacerdotes ANTES mesmo de ser curado para que a cura se dê no caminho (o que ocorreu, segundo o relato) exige uma fé num Deus salvador e uma aposta vital nele. Mesmo assim o episódio não deixa de ser uma forma de validação cultural da cura: o que poria fim ao estado de exclusão deles e lhe daria o direito de cidadania numa sociedade teocrática como a judaica da época de Jesus.
[10] Os chamados mestres da suspeita do século XIX (Feuerbach, Marx-Engels, Nietzsche e Freud) parecem que tinham uma atitude filosófica de crença na destruição da religião tão forte quanto os religiosos mais fundamentalistas de hoje. Ou pelo menos escreveram coisas que deram a possibilidade dos seus seguidores terem essa leitura. Como diria o próprio Marx, nem ele seria tão marxista como os seus seguidores.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Tatuagem religiosa

Quando fui dar um curso para catequistas num diocese da grande São Paulo, como é de costume, saiu a discussão sobre tatuagens dos adolescentes crismandos. E descarregaram toda a carga de preconceito revestida de citações bíblicas que todos conhecemos. Até que uma catequista, já cm mais de 65 anos, me trouxe ao conhecimento um texto de Jesus tatuado. Como assim????!! Foi o que perguntei. E ela me mostrou Ap. 19, 16:

E vi o céu aberto, e eis um cavalo branco; e o que estava assentado sobre ele chama-se Fiel e Verdadeiro; e julga e peleja com justiça.
E os seus olhos eram como chama de fogo; e sobre a sua cabeça havia muitos diademas; e tinha um nome escrito, que ninguém sabia senão ele mesmo.
E estava vestido de veste tingida em sangue; e o nome pelo qual se chama é A Palavra de Deus.
E seguiam-no os exércitos no céu em cavalos brancos, e vestidos de linho fino, branco e puro.
E da sua boca saía uma aguda espada, para ferir com ela as nações; e ele as regerá com vara de ferro; e ele mesmo é o que pisa o lagar do vinho do furor e da ira do Deus Todo-Poderoso.
E no manto e na sua coxa tem escrito este nome: Rei dos reis, e Senhor dos senhores.
Apocalipse 19:11-16


Coloquei aqui o texto do versículo 11 ao 16, para melhor compreensão do contexto da perícope bíblica. É claro que estamos falando do Cordeiro Imolado, o Cristo Pascal. Mas é dele que dizemos que tem escrito em sua coxa... Ora, uma tatuagem, E - como todos os cristãos sabem - o Novo Testamento vale mais do que o Antigo Testamento. Então, fazer tatuagem está liberado, desde que tenha uma vontade de louvar ao Altíssimo. Assim, não me parece que TODA TATUAGEM MANDA AS PESSOAS PARA O INFERNO.
Xupa essa fundamentalistas... hehehehehe
Depois disso, resolvi escrever uma comunicação no Congresso da SOTER, que deu muia inspiração e discussão. Então, partilho com vocês a apresentação. Outro dia, publico o texto integral. Bom dia e boa reflexão pra quem me lê. Abraços.


Ensaio sobre a tatuagem Religiosa - SOTER 2015

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Novos paradigmas em novas linguagens e novas gerações: o que muda na evangelização?


A FOLHA DE SÃO PAULO, publicou hoje uma reportagem bastante significativa que eu gostaria de partilhar com você.
O conteúdo todo está em: http://temas.folha.uol.com.br/folha-20-anos-na-internet/entrevista/geracao-conectada-nao-percebe-a-internet-diz-ronaldo-lemos.shtml . Não sei se voc~e vai poder acessar, porque é de conteúdo exclusivo de asinantes. Mas o que me inspirou a pensar é o trecho abaixo...


____________________________

Como as gerações nascidas apenas na era digital percebem o mundo? Ainda há espaço no mundo para gente "analógica"?
Quem nasceu conectado quase não percebe a internet. Ela não é algo em que é possível se conectar ou não. É uma infraestrutura da vida moderna, tal como a eletricidade ou água encanada. Ninguém pensa muito hoje sobre a eletricidade, exceto quando ela não está disponível. Com a internet será o mesmo. O que vai vir à tona são serviços construídos a partir dela. Isso traz problemas. Será mais difícil visualizar a internet como uma rede aberta e infinitamente flexível. A maioria das pessoas vai se contentar com alguns poucos serviços. Mas ainda há espaço para a vida analógica. A desconexão verdadeira vai ser cada vez mais um luxo. Além disso, modos de vida "vintage" que valorizem o analógico continuarão existindo, mas como nicho. Isso já acontece hoje com grupos que cultuam o vinil ou máquinas de escrever.
Como os jornais tradicionais podem atrair leitores mais jovens?
Indo até onde eles estão. Qualquer iniciativa de informação hoje tem de considerar que as pessoas desenvolvem hábitos de mídia que são difíceis de mudar. Com isso, é importante estar presente onde os jovens estão. Levar a informação até eles. E não apenas esperar eles irem até você.
_____________
Se você trocar JORNAIS por Igrejas, você vai começar a ver que um especialista na sua expertise afirma o mesmo que os teólogos afirmam desde a década de 80 sobre a inculturação. Ou o mesmo que Milton Nascimento dizia: todo artista tem que ir onde o povo está... 
Precisamos de novas iniciativas de evangelização para os nativos digitais. Não mais somente para os indígenas e povos africanos ou asiáticos. Eles tem que ser respeitados e evangelizados segundo sua cultura e a partis dos valores do Evangelho de Cristo. Mas agora precisamos URGENTEMENTE falar aos nativos digitais com a linguagem digital que eles conhecem, sob o risco de deixarmos o mandato missionário de Jesus de lado. Estou pensando em voltar a produzir vídeos na minha conta do Youtube... Alguém pode comentar e dizer o que acha?

sábado, 13 de junho de 2015

Web radio evangelize +

Estou postando dúvidas de teologia e moral na Webradio Evangelize +: www.evangelizemais.com.br. Dá uma passada lá e deixe uma pergunta... Tento ser profundo sem ser chato...

quinta-feira, 11 de junho de 2015

PARADA GAY 2015

O jornal O DEMOCRÁTICO (http://www.jornalodemocratico.com.br/2011/) me pediu a minha opinião sobre a PARADA GAY desse ano. Devo começar dizendo que não vi nem acompanhei nada. Estou em Trezena de Santo Antônio há dias e tenho visto quase nada de Internet e notícias nesses dias. Não escrevo esse texto como uma voz da minha Igreja. Temos documentos e pessoas autorizadas para falar. Escrevo essas linhas como cristão, sobretudo. Mas tenho uma posição que exige um pouco mais de tempo e reflexão para o tema:
  • 1.       Os LGBT cultivam uma cultura de identidade, ou seja: eles querem ser e continuar gays e serem respeitados por isso. Não vejo onde isso poderia ofender alguém, mesmo sendo hétero. Cada um que seja o que é, do jeito que é e que seja responsável por sua vida e seus atos, diante de si mesmo, diante de Deus e diante da sociedade. Respeito é essencial para todos: negros, asiáticos, imigrantes, gays, héteros, ricos ou pobres, homens e mulheres.... Aliás, isso é bem cristão: São Paulo já disse que como estamos em Cristo não há mais separação, a mesma fé e a mesma salvação nos une (Galatas 3, 27-29) E isso parece básico: antes de ser gay ou hétero sou humano e sou cristão, isso nos une e nos possibilita ser irmãos.
  • 2.       A atual sociedade midiática vive da cultura do escândalo, quanto mais polêmica, mais consome e lucra. Então, o que os gays fazem todo ano na Parada (que é um carnaval fora de época) é polemizar e fazer gestos que causem impacto visual e dê polêmica. Assim, eles aparecem e chamam a atenção para a causa de defesa de seus direitos. Para mim, acho que muitos exageram e são desrespeitosas. Nem posso considerar que todos sejam cristãos, muitos não são nada e nem entendem nada de cristianismo. Mas nem por isso, eu como cristão posso ameaçar de morte ou ser violento com os que me desrespeitam. O mandamento do amor é esse: Nisso conhecerão que são meus discípulos, se vocês amarem uns aos outros COMO EU VOS AMEI (Jo 13,35). E Cristo morreu por todos (inclusive por Judas, depois de lavar os seus pés e dele o trair...). Um cristão não tem o direito de bater ou de ameaçar um gay ou um inimigo, a partir desse momento ele nem é mais cristão...
  • 3.       Contra a cultura do escândalo, a única solução é não comprar a polêmica. Funciona como piada: se não dou risada de uma piada preconceituosa, o contador acaba parando de contar e mudando de assunto. Mas se eu fico bravo, então as pessoas riem de mim... E o assunto não acaba mais.

  • 4.       Há gays e gente religiosa em toda parte, na Igreja e fora da Igreja. E isso não é para ser ruim ou bom. Temos que ver se a pessoa é ética, se é justa, se não prejudica o outro, se a sua fé ajuda a construir ou se é apenas uma fé combativa que gera violência. Mais do que saber por onde se sente prazer, temos que saber se o comportamento é construtivo ou destrutivo de si e dos outros. É o caráter que define uma pessoa e não a sua orientação sexual. Jesus falou muito pouco sobre sexo, mas falou muito sobre amor, sobre não violência e sobre respeito. São essas atitudes de Jesus que deveriam nos inspirar hoje... E Jesus também disse que não devemos julgar o outro, porque quando o fazemos, tomamos o lugar de Deus (Lc 6,37 e Mt 7,1). Ele é o único juiz, não nós... Isso também vale pra gays e para héteros...
  • 5.       A Igreja deve ser criticada, não só a católica. Embora ninguém goste de ser criticado, todos nós podemos sê-lo e em muitas vezes, isso nos ajuda a crescer. Ora, se você é batizado, crismado e fez a primeira comunhão, você é Igreja. Com todo direito. E com todos os deveres, incluindo ler a Bíblia e praticar o amor a todos, até aos inimigos. Os gays estão excluídos do amor? Sei que muita vez, o que se fala da Igreja são apenas chavões e muita coisa sem pé nem cabeça, como quando se fala da Idade Média. É fácil falar daquele tempo vivendo hoje. Ou é fácil criticar os gays sendo hétero... Às vezes precisamos ser mais misericordiosos e menos orgulhosos, todos nós. O papa Francisco já disse que ele não é ninguém pra julgar uma pessoa que é gay, mas procura Deus. Você é maior do que o papa ou quer se igualar a Deus, nosso supremo Juiz? Se a Igreja sou eu e é você, podemos ser criticados e devemos evoluir e mudar, nos converter. O mundo pode ficar melhor...
  • 6.       Como fui contatado para escrever esse texto, fui procurar na Internet fotos e reportagens da Parada Gay e achei gente religiosa (gay e hétero) que estava lá por causa do amor ao próximo pregado por Jesus. Inclusive um grupo de religiosos das mais diversas Igrejas, incluindo a católica que pedia perdão pela atitude intolerante de muitos cristãos. Vi depoimentos de gays que chegaram e choravam aos pés desses religiosos dizendo que amavam a Igreja, mas tinham raiva das pessoas que os desprezavam. Não podemos esquecer que Jesus disse que veio para os doentes e não para os sãos... (Mt 9, 11-13) A Igreja é um grande hospital de campanha que deve acolher TODOS os feridos e não escolher alguns e desprezar os outros. O Evangelho a todos os questiona e deve gerar em nós atitudes de conversão e mudança de vida.
  • 7.       Dizer que alguém foi crucificado é uma expressão própria dos católicos e não sei se os evangélicos entendem isso bem, em todos os significados... Dizer “fulano está sendo crucificado” ou dizer “sicrano foi pego para Cristo” é uma maneira de dizer e de falar que exige um contexto católico. Então, a moça que encenou a crucificação dos gays estava sendo mais católica do que muitos que hoje a criticam. Já vi tanta gente colocada na cruz que isso não me escandaliza... Apenas chama a atenção para o Calvário de dores que um gay pode sofrer passando pela rua e ser atacado por alguém que nunca viu apenas por ser o que é...
  • 8.       Quem celebra o Corpo de Cristo (Corpus Christi) tem que ter mais respeito pelo corpo macerado do Cristo que se deu por nós na Eucaristia, mas também tem que respeitar o corpo do outro como lugar de santidade. Pelo Batismo, todos carregamos a Trindade Santa em nós e o modo como cada um trata o próprio corpo e o corpo do outro é sinal de salvação ou de condenação. Mas isso é problema que cada um terá que enfrentar com Deus face a face. Eu não tenho nem a possibilidade de ser cristão e de falar da sexualidade do outro, que é assunto íntimo e pessoal. Cuide da sua, porque o corpo de Cristo e ou seu sangue correm em mim e em você. Incluindo muitos nossos irmãos de fé, que são gays ou héteros...
  • 9.       Por fim, mais do que condenar e comprar uma polêmica, acredito em rezar pelo outro, em respeitá-lo e em amá-lo. Se o outro me procura, posso falar com amor o que penso e o que acredito. Mas nunca terei a chance de ser violento, de condenar, de humilhar ou de ameaçar ninguém. Ou nem serei cristão. Gosto muito de Cristo e me inspiro nele para o meu agir. Antes de condenar, é preciso amar com todo o ser, não foi essa a atitude de Cristo que morreu na cruz até por Judas que o traiu? O resto é mesmo assunto que não me diz respeito.


PAULO F. DALLA-DÉA
cristão e padre
(P. S.: Tento ser tudo isso, não sei se consigo,

mas sei que preciso me esforçar mais)