quarta-feira, 22 de maio de 2013

Vatican Insider: O PAPA FRANCISCO E OS POBRES - Uma crise ética na sociedade


A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada no sítio Vatican Insider, 19-05-2013. A tradução é do Cepat.
“Há cortes nos investimentos, os bancos, todos se põem a dizer que é uma tragédia. Se as famílias estão mal, não têm o que comer, se as pessoas morrem de fome, então nada acontece... Esta é a nossa crise”. E a crise não é apenas “econômica ou cultural”, mas é uma “crise do homem”. “Na vida pública – explicou –, se não há ética, tudo é possível. Lemos, nos jornais, que a falta de ética faz mal a toda a humanidade”.
Estas palavras, pronunciadas durante a vigília de Pentecostes, em resposta a uma pergunta sobre a “Igreja pobre e para os pobres” que o primeiro Papa que leva o nome do pobrezinho de Assis afirmou desejar, estiveram presentes durante os discursos destes dias. Ao receber as cartas credenciais de quatro novos embaixadores na Santa Sé, na quinta-feira passada, Bergoglio falou sobre as raízes da crise financeira e o abismo que existe entre pobres e ricos, razão pela qual denunciou o “fetichismo” do dinheiro e a “ditadura” de uma economia sem rosto que considera o ser humano como um “bem de consumo”.
Este discurso, o mais complexo que até agora Francisco pronunciou sobre temas sociais, passou um pouco despercebido, apesar de que contivesse uma denúncia precisa (e talvez tenha sido este o motivo da pouca atenção recebida) das causas do desequilíbrio social. A causa, segundo o Papa, seriam as “ideologias que promovem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira, negando desta maneira o direito ao controle dos Estados, encarregados de prover o bem comum”.
No domingo, com os representantes dos movimentos, Francisco chamou à radicalidade evangélica, explicando que, diante da crise econômica e da ética pública, a contribuição mais eficaz que os cristãos podem oferecer é o de dar o testemunho do Evangelho: sair de si mesmo, dos próprios círculos autorreferenciais, deixar de ser “cristãos que discutem sobre teologia enquanto tomam chá” nos salões e ir ao encontro dos pobres, dos necessitados.
Explicou que a caridade não é “uma categoria sociológica”. E também disse que ir ao encontro dos pobres significa, para os cristãos, ir “para a carne de Cristo”, razão pela qual este compromisso concreto pertence à essência da experiência da fé vivida e testemunhada verdadeiramente. Uma mensagem forte dirigida a todos, mas que, com sua ênfase na ética pública, representa uma mensagem particular para todos os que pertencem ao mundo da política. Em muitos casos (e inclusive dentro da Igreja católica) as mensagens sobre a ética foram desatendidas e catalogadas de “moralismo” por aqueles que encobriram a imoralidade, influindo nas vidas concretas de muitas pessoas.
Desde que o novo Papa começou a dar seus primeiros passos, não faltaram círculos de intelectuais que o definissem como “pauperístico”, esquecendo que o novo Papa conhece e frequentou os pobres verdadeiramente (sobretudo nas favelas de Buenos Aires). E, além disso, esquecendo que os Evangelhos, escritos 17 séculos antes de O Capital, deMarx, também falam sobre os pobres.
Por isso, Francisco se perguntou: que mundo construímos, se um pobre que morre de frio já não é notícia, ou se a morte por fome de muitas crianças é uma realidade com a qual nos acostumamos? O Papa disse, na quinta-feira passada, aos novos embaixadores: “O papa ama a todos, ricos e pobres, mas o papa tem o dever, em nome de Cristo, de recordar ao rico que ele deve ajudar o pobre, respeitá-lo, promovê-lo”.
Menos mal que ainda resta alguém para nos recordar isso.

domingo, 19 de maio de 2013

Artigo de Hans Kung teólogo

O Papa Francisco é um paradoxo?

Hans Küng, teólogo, em artigo publicado no jornal espanhol El País, 10-05-2013. A tradução é doCepat. Uma versão do artigo igualmente foi publicada pela revista inglesa The Tablet, 11-05-2013.
Eis o artigo.
Quem iria pensá-lo? Quando, por ocasião do meu 85º aniversário, tomei a resoluta decisão de renunciar aos meus cargos honoríficos, estava persuadido de que o sonho que eu vinha acalentando há décadas de presenciar novamente uma mudança profunda em nossa Igreja, como com João XXIII, nunca chegaria a presenciar em vida.
Eis que meu ex-companheiro teólogo Joseph Ratzinger – ambos estamos com 85 anos – tomou a decisão, antes de mim, de renunciar ao seu cargo de Papa, e exatamente no dia 19 de março de 2013, dia do seu onomástico e do meu aniversário, passou a ocupar seu posto um novo Papa com o surpreendente nome de Francisco.
Terá Jorge Mario Bergoglio refletido sobre o fato de que nenhum Papa se havia atrevido, até agora, a escolher o nome de Francisco? Em todo caso, o argentino estava consciente de que com o nome de Francisco se estava vinculando com Francisco de Assis, o universalmente conhecido marginal do século XIII, esse mundano que amava a vida, filho de um rico comerciante de tecidos de Assis que, aos 24 anos, renunciou à sua família, à riqueza e à sua carreira e inclusive devolveu ao seu pai suas luxuosas roupas.
É surpreendente que o Papa Francisco tenha optado por um novo estilo desde o momento em que assumiu o cargo: ao contrário de seu antecessor, não quis nem a mitra ornada com ouro e pedras preciosas, nem a camalha púrpura guarnecida com arminho, nem os sapatos vermelhos feitos sob medida, nem o pomposo trono, nem a tiara... Igualmente surpreendente é o fato de que o novo Papa recusa conscientemente os gestos patéticos e a retórica pretensiosa para falar a língua do povo, típica desses pregadores leigos, proibidos pelos papas, tanto naquela época como atualmente.
E, por último, é surpreendente que o novo Papa não hesite em insistir sobre a proximidade com os fiéis: pede que o povo reze por ele antes que ele mesmo o abençoe; paga a conta de seu hotel como qualquer pessoa; vive a colegialidade tomando o ônibus com os cardeais, compartilhando a residência; na Quinta-feira Santa, lavou os pés de jovens presos (também de mulheres, e inclusive de uma muçulmana). É um Papa que demonstra que, como ser humano, tem os pés na terra.
Tudo isso teria alegrado Francisco de Assis, ao passo que o Papa Inocêncio III (1198-1216), na sua época, encarnava exatamente os valores contrários. Em 1209, Francisco foi visitar o Papa em Roma junto com 11 irmãos menores (fratres minores) para apresentar-lhe sua breve regra de vida “de acordo com os Santos Evangelhos”, composta exclusivamente de citações bíblicas. Ele desejava receber a aprovação papal, para sua existência baseada na pobreza e pedia a autorização para a pregação laica.
Ora, Inocêncio III, conde de Segni, nomeado Papa aos 37 anos, era um soberano nato: teólogo educado em Paris, jurista sagaz, exímio orador, administrador inteligente e diplomata refinado. Nunca antes nem depois houve um papa com tanto poder como ele. Com ele, a revolução pelo alto, lançada por Gregório VII no século XI (a “Reforma Gregoriana”), atingiu seu objetivo. Em vez do título de “vigário de Pedro”, ele preferia o de “vigário de Cristo”, que,  até o século XII, se aplicava aos bispos e sacerdotes (Inocêncio IV utilizará inclusive o de “vigário de Deus”). Ao contrário do século I e sem conseguir nunca o reconhecimento da Igreja apostólica oriental, o Papa comportou-se, a partir desse momento, como um monarca e juiz absoluto do cristianismo.
Mas o triunfal pontificado de Inocêncio III não apenas constituiu sua culminação, mas também um ponto de inflexão. Já em sua época se manifestaram os primeiros sintomas de decadência que, em parte, chegaram até nossos dias, como sinais de identidade do sistema da cúria romana: o nepotismo, a avidez extrema, a corrupção e os negócios financeiros duvidosos. Mas já nos anos 70 e 80 do século XII começaram a surgir poderosos movimentos inconformistas de penitência e pobreza (os cátaros ou os valdenses). Mas os papas e bispos reagem a estas correntes proibindo a pregação laica e condenando os “hereges”, mediante a Inquisição e inclusive com cruzadas contra eles.
Mas foi precisamente Inocêncio III quem, apesar de toda a sua política centrada no extermínio dos obstinados “hereges” (os cátaros), esforçou-se para integrar na Igreja os movimentos evangélico-apostólicos de pobreza. Inocêncio inclusive estava consciente da urgente necessidade de reformar a Igreja, para o que acabou convocando o impressionante IV Concílio de Latrão. Desta forma, após muitas exortações, acabou concedendo a Francisco de Assis a autorização de fazer sermões penitenciais. Acima do ideal da absoluta pobreza que se costumava exigir, podia, por fim, conhecer a vontade de Deus pela oração. Conta-se que por causa de um sonho premonitório, no qual um religioso baixinho e modesto teria impedido o desmoronamento da Basílica Papal de São João de Latrão, o Papa decidiu finalmente aprovar a regra de Francisco de Assis. Promulgou-a perante os cardeais no consistório, mas não permitiu que se expusesse por escrito.
Francisco de Assis representava e ainda representa a alternativa ao sistema romano. O que teria acontecido seInocêncio e os seus tivessem começado a levar os Evangelhos novamente a sério? Entendidas de um ponto de vista espiritual, embora não literal, as exigências evangélicas de São Francisco de Assis constituíam e constituem ainda hoje um profundo questionamento do sistema romano, esse aparelho de poder centralizado, juridificado, politizado e clericalizado que, desde o século XI, se havia apoderado da causa de Cristo em Roma.
Pode ser que Inocêncio III tenha sido o único Papa que, por causa das extraordinárias qualidades e poderes que a Igreja tinha, poderia ter determinado outro caminho totalmente diferente; isso poderia ter evitado o cisma do Ocidente e o exílio em Avignon durante os séculos XIV e XV, assim como a Reforma Protestante, no século XVI. Certamente, teria implicado, já desde o século XIII, uma mudança de paradigma dentro da Igreja católica, o que não teria dividido a Igreja. Pelo contrário, a teria renovado e, ao mesmo tempo, teria reconciliado as Igrejas ocidental e oriental.
Desta maneira, as preocupações centrais de Francisco de Assis, próprias do cristianismo primitivo, continuam sendo até hoje questões postas à Igreja católica e a um Papa Francisco, cujo nome é um programa: paupertas (pobreza),humilitas (humildade) e simplicitas (simplicidade). Pode ser que isso explique porque, até agora, nenhum Papa tenha se atrevido a adotar o nome de Francisco: porque as pretensões parecem muito elevadas.
Mas isso nos leva à segunda pergunta: o que significa para um Papa, hoje, adotar corajosamente o nome de Francisco? É evidente que também não se deve idealizar a figura de Francisco de Assis, que também não estava isento de parcialidades, de exaltações e de fraquezas. Não é nenhuma norma absoluta. Mas suas preocupações, próprias do cristianismo primitivo, devem ser levadas a sério, embora não possam ser colocadas em prática literalmente, mas deveriam ser adaptadas pelo Papa e pela Igreja à época atual.
1. Paupertas, pobreza? No espírito de Inocêncio III, a Igreja é uma Igreja da riqueza, do luxo e da pompa, da avidez extrema e dos escândalos financeiros. Ao contrário, no espírito de Francisco, a Igreja é uma Igreja da política financeira transparente e da vida simples, uma Igreja que se preocupa principalmente com os pobres, os fracos e os desfavorecidos, que não acumula riquezas nem capital, mas que luta ativamente contra a pobreza e oferece condições de trabalho exemplares para os seus trabalhadores.
2. Humilitas, humildade? No espírito de Inocêncio, a Igreja é uma Igreja do poder e da dominação, da burocracia e da discriminação, da repressão e da Inquisição. Ao contrário, no espírito de Francisco, a Igreja é uma Igreja do altruísmo, do diálogo, da fraternidade, da hospitalidade inclusive em relação aos inconformados; uma Igreja do serviço despretensioso dos seus dirigentes, uma comunidade social solidária; uma Igreja que não exclui as forças, nem as inovações religiosas, mas que as faz frutificar.
3. Simplicitas, simplicidade? No espírito de Inocêncio, a Igreja é uma Igreja da imutabilidade dogmática, da censura moral e do regime jurídico, uma Igreja do medo, do direito canônico que regula tudo e da escolástica que tudo sabe. Ao contrário, no espírito de Francisco, a Igreja é uma Igreja da mensagem alegre e do regojizo, de uma teologia baseada no Evangelho, que escuta as pessoas em vez de adoutriná-las de cima, que não só ensina, mas que também está constantemente aprendendo.
Desta forma, podem-se formular assim mesmo, hoje, em vista das preocupações e das apreciações de Francisco de Assis, as opções gerais de uma Igreja católica cuja fachada brilha à base de magnificentes manifestações romanas, mas cuja estrutura interna no dia a dia das comunidades em muitos países se revela podre e quebrada, razão pela qual muitas pessoas se afastaram dela tanto interior como exteriormente.
Não obstante, ninguém acredita que uma única pessoa seja capaz de fazer todas as reformas da noite para o dia. Mesmo assim, em cinco anos seria possível uma mudança de paradigma: foi o que demonstrou, no século XI, o Papa Leão IX de Lorena (1049-1054), que preparou o terreno para a reforma de Gregório VII. E também ficou demonstrado no século XX pelo italiano João XXIII (1958-1963), que convocou o Concílio Vaticano II. Hoje, o que deveria ficar claro novamente é a direção a ser tomada: não uma involução restauradora para épocas pré-conciliares, como no caso dos Papas polonês e alemão, mas passos reformistas bem pensados, planejados e corretamente transmitidos na linha do Concílio Vaticano II.
Há uma terceira pergunta que se colocava, tanto naquela época como hoje: uma reforma da Igreja não esbarrará em sérias resistências? Não há dúvida de que forças hostis, sobretudo poderosas e ativas no espaço da cúria romana, teriam que se revelar. É pouco provável que os soberanos vaticanos permitam de bom grado que se lhes arrebata o poder que foram acumulando desde a Idade Média.
O poder da pressão da cúria é algo que também Francisco de Assis teve que experimentar. Ele, que pretendia desvencilhar-se de tudo através da pobreza, foi buscando cada vez mais o amparo da “santa mãe Igreja”. Ele não queria viver em confronto com a hierarquia, mas em conformidade com Jesus obedecendo ao Papa e à cúria: em pobreza real e na pregação laica. De fato, deixou que subissem de categoria ele e seus companheiros por meio da tonsura dentro do status dos clérigos.
Isso facilitava a atividade de pregar, mas fomentava a clericalização da comunidade jovem, que cada vez englobava mais sacerdotes. Por isso, não é surpreendente que a comunidade franciscana fosse se integrando cada vez mais ao sistema romano. Os últimos anos de Francisco ficaram obscurecidos pela tensão entre o ideal original de imitar Jesus Cristo e a acomodação de sua comunidade ao tipo conveniente de vida monacal.
Em honra a Francisco, cabe mencionar que faleceu no dia 03 de outubro de 1226 tão pobre como viveu, com tão somente 44 anos. Dez anos antes, um ano depois do IV Concílio de Latrão, havia falecido de forma totalmente inesperada o Papa Inocêncio III com a idade de 56 anos. No dia 16 de junho de 1216, foi encontrado, na catedral de Perugia, o cadáver da pessoa cujo poder, patrimônio e riqueza no trono sagrado ninguém soube incrementar tão bem como ele, abandonado por todo o mundo e totalmente desnudo, saqueado por seus próprios criados, marca simbólica da passagem do poder mundial do papa à impotência. No começo do século XIII, temos o reinado glorioso de Inocêncio III e no final do mesmo século, o do megalômano Bonifácio VIII (1294-1303), que será preso como miserável; na sequência do que, cerca de 70 anos, o papado será exilado para Avignon e desembocará no cisma do Ocidente com dois e, finalmente, três Papas.
Menos de dois séculos depois da morte de Francisco, o movimento franciscano, que tão rapidamente havia se espalhado, parece ter ficado praticamente domesticado pela Igreja católica, de forma que começou a servir à política papal como uma ordem a mais e inclusive se imiscuindo na Inquisição. Assim como foi possível domesticar finalmente aFrancisco de Assis e seus companheiros dentro do sistema romano, está claro que não se pode excluir o fato de que oPapa Francisco termine ficando preso ao sistema romano que deveria reformar.
É o Papa Francisco um paradoxo? É possível conciliar a figura do Papa e a de Francisco, que são claros antônimos? Só será possível com um papa que aposte nas reformas no sentido evangélico. Não deveríamos renunciar muito cedo à nossa esperança em um Pastor Angelicus como ele.
Por último, uma quarta pergunta: o que se pode fazer se nos arrebatam de cima a esperança na reforma? Seja como for, já acabou o tempo em que o Papa e os bispos podiam contar com a obediência incondicional dos fiéis. Através da Reforma Gregoriana, do século XI, introduziu-se uma determinada mística da obediência na Igreja católica: obedecer a Deus implica em obedecer à Igreja e isso, por sua vez, implica em obedecer ao Papa, e vice-versa.
Dessa época em diante, a obediência de todos os cristãos ao Papa se impôs como uma virtude chave; obrigar a seguir ordens e a obedecer (com os métodos que foram necessários) era o estilo romano. Mas a equação medieval de “obediência a Deus = obediência à Igreja = obediência ao Papa” encerra já em si mesmo uma contradição com as palavras dos apóstolos diante do Sinédrio de Jerusalém: “É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens”.
Nós não devemos, em todo o caso, nos resignar, mas, na falta de impulsos reformistas “a partir de cima”, a partir da hierarquia, devemos promover decididamente reformas “a partir de baixo”, a partir do povo. Se o Papa Francisco adotar o enfoque das reformas, contará com o amplo apoio do povo, para além dos muros da Igreja católica. Mas se, ao contrário, optar por continuar como até agora e não solucionar a necessidade de reformas, o grito de “indignai-vos!Indignez-vous!” ressoará cada vez mais forte inclusive dentro da própria Igreja católica e provocará reformas a partir de baixo que se materializarão inclusive sem a aprovação da hierarquia e, em muitos casos, apesar de suas tentativas de abafá-las. No pior dos casos – e isto é algo que escrevi antes da eleição do atual Papa –, a Igreja católica viverá uma nova era glacial, em vez de uma primavera, e corre o risco de ficar reduzida a uma grande seita de pouca importância.

sábado, 18 de maio de 2013

O sacrifício de Isaac e a sociedade atual que mata os jovens...


Eu tenho um texto de 2006 em que eu digo que a sociedade está cobrando um preço alto dos jovens: violência, drogas, desemprego, etc. E comparo com a adaga de Abrãao sobre o seu filho Isaac. A diferença é que Abraão nao matou seu filho em nome da religião que ele cria agradável a Deus: na última hora um mensageiro divino mostra a verdadeira vontade do Senhor. 
A atual sociedade idólatra de consumo sacrifica sim os jovens em nome de sua manutenção. Veja o texto abaixo:

13/05/2013 - 02h30

Análise: Nova classe ociosa: jovens americanos

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DAVID LEONHARDT
DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON
The New York Times
O jovem europeu ocioso, sem trabalho por causa da disfunção do continente, é um dos personagens típicos da economia global. Mas talvez esteja na hora de acrescentar outro protagonista, ainda mais comum: o jovem americano ocioso.
Nos últimos 12 anos, os EUA passaram da mais alta à mais baixa porcentagem de jovens de 25 a 34 anos empregados, entre as grandes economias ricas.
A mudança sombria -"uma reviravolta histórica", segundo Robert A. Moffitt, um economista da Universidade Johns Hopkins em Maryland- deriva de dois aspectos da longa recessão econômica. Primeiro, ela cobrou o preço mais alto dos jovens. E, enquanto a economia americana voltou mais robusta que algumas de suas rivais globais em termos de produção total, a recuperação foi discreta em geração de empregos. As empresas americanas estão fazendo mais com menos.
Os empregadores relutam em contratar novos funcionários. As demissões foram reduzidas, com exceção dos piores meses da crise financeira, mas também a geração de empregos, e ninguém depende tanto de novos empregos quanto os jovens.
Para muitas pessoas com empregos e poupanças, a economia finalmente está se movendo na direção certa. Os salários médios não estão mais atrás da inflação. As ações subiram desde o piso de 2009, e os preços dos imóveis aumentam de novo. Mas pouco disso ajuda os jovens adultos a tentar pôr o pé na economia.
Segundo o Departamento do Trabalho, os trabalhadores entre 25 e 34 anos são a única faixa com salários médios mais baixos no início de 2013 do que em 2000.
Em 2011, o ano mais recente para o qual existem comparações internacionais, 26,6% dos americanos entre 25 e 34 anos não estavam trabalhando. A porcentagem era de 20,2% no Canadá, 20,5% na Alemanha, 21% no Japão, 21,6% na Grã-Bretanha e 22% na França. Em 2000, em contraste, os Estados Unidos lideraram Alemanha, Grã-Bretanha, França, Canadá e Japão -assim como Austrália, Rússia e Suécia- nesses índices de emprego. Hoje estão atrás de todos eles.
Os EUA perderam sua antiga grande vantagem na produção de graduados universitários, e a educação continua sendo a mais bem-sucedida estratégia de empregos em uma economia globalizada e forte em tecnologia. Os lugares mais educados do país, como Boston, Minneapolis e Washington, têm altos índices de emprego, enquanto os menos educados têm baixos. O índice de desemprego oficial para graduados universitários de 25 a 34 anos continua em apenas 3,3%.
O país também tem sido menos agressivo que alguns outros em usar aconselhamento e retreinamento para ajudar os desempregados a encontrar trabalho. Um estudo recente feito na França por economistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts revelou que programas de colocação para desempregados ajudavam não apenas os trabalhadores, mas também a economia. Os trabalhadores aconselhados tinham maior probabilidade de encontrar trabalho, e não simplesmente tiravam os empregos de outros candidatos.
Outra pesquisa nota que os Estados Unidos expandiram a licença parental e o trabalho em tempo parcial menos que outros países -e talvez isso esteja relacionado à queda dos índices de emprego entre as mulheres.
Seja qual for o papel dessas tendências, elas não parecem explicar o declínio do emprego. As empresas existentes não estão criando empregos no mesmo ritmo de antes, e novas empresas não se formam tão rapidamente.
O que poderia ajudar? Facilitar as partes do entramado regulatório que não têm benefícios sociais. Oferecer financiamento público para pesquisa científica em fase inicial e infraestrutura física que o setor privado muitas vezes acha não rentável. Em longo prazo, nada provavelmente será mais importante que melhorar a realização educacional.
Talvez o aspecto mais notável da queda dos empregos seja que os americanos na faixa dos 20 e 30 anos que foram mais afetados por ela continuam decididamente entusiasmados. Eles têm muito mais esperança que as gerações mais antigas, segundo pesquisas, de que o futuro do país será melhor que o passado. Essa resiliência é impressionante -e necessária. A redução dos empregos não vai terminar sem uma grande dose de otimismo.

quinta-feira, 9 de maio de 2013


Sei que muita gente não gosta dele, mas creio que ele tem umas ideias interessantes e - como vê o Brasil a partir de fora (EUA), pode dar outra visão dos mesmos problemas. Roberto M. Unger, brasileiro com sotaque, tem umas ideias que a gente deveria pelo menos considerar. Hoje, transcrevo o artigo de Folha de São Paulo, que nos dá uma visao boa dos problemas gerais que o Brasil atravessa.

Roberto Mangabeira Unger: Mudar de rumo e de ideia

Tendências / Debates
Um Brasil parado? O país cresce hoje menos do que todos os outros grandes países em desenvolvimento e menos até do que os Estados Unidos. Ao marasmo quantitativo se junta o retrocesso qualitativo: subiu a parte da produção e da exportação representada por produtos pouco tocados pelo engenho humano.
Pior do que a estagnação econômica é a situação do ensino. O Brasil ampliou o acesso à educação. Não conseguiu, porém, qualificar o ensino para capacitar os brasileiros. Prevalece enciclopedismo raso, mimético e estéril. A maior parte dos alunos que terminam a escola média mal consegue analisar textos ou manejar abstrações de qualquer espécie.
Esses fatos revelam o esgotamento de modelo de desenvolvimento montado sobre a expansão do consumo e a exploração da natureza. Para superar tal quadro, as forças dominantes no país defendem variantes de um único caminho: a modernização conservadora.
Tornar o Estado mais enxuto e eficaz. Simplificar a tributação, ampliar sua base e atenuar seu ônus. Gastar menos em custeio para investir mais em infraestrutura. "Flexibilizar" o mercado de trabalho. Escolarizar cada vez mais gente com maior eficiência, tratando como mal menor a primazia de quantidade sobre qualidade. Orientar a política exterior a abrir mercados para nossos produtos agropecuários.
Se se implementassem essas e outras partes da modernização conservadora, continuaríamos a ser o que somos hoje: país efervescente, que produz e exporta bens primários, convive com desigualdades entre as maiores já vistas na história da humanidade, deixa a maior parte de seu povo desfalcada de instrumentos e de oportunidades e pouco forma gente que consegue inovar nas práticas, nas instituições e nas ideias. País no qual a maioria não tem como transformar energia humana em ação fecunda.
O Brasil precisa de outro projeto --de produtivismo includente, de educação capacitadora e de democratização aprofundada. Essa alternativa contempla muitas das preocupações do projeto dominante. Altera-lhes, porém, o sentido. Sua tarefa é dar braços, asas e olhos à vitalidade brasileira.
Em vez de buscar desenvolver o país apenas pelo lado de demanda, prioriza o lado da oferta, da inovação, das capacitações e das oportunidades. E entende a democracia como método para continuar mudando sem precisar das crises para facultar as mudanças.
Sete conjuntos de iniciativas compõem o conteúdo dessa alternativa.
1. Preencher as condições práticas para romper, quando nos convém, com figurinos institucionais copiados. Para isso, precisamos forçar elevação da poupança, tanto privada quanto pública, e abrir canais que mobilizem a poupança de longo prazo para o investimento produtivo de longo prazo. A tributação, ainda que racionalizada, tem de permanecer alta para financiar a contribuição do Estado a nossa rebeldia. Poupança e receita garantem a margem de manobra para dar os primeiros passos em novo rumo.
2. Levar muitas das pequenas e médias empresas, nossos agentes econômicos mais importantes, à ponta da inovação, abrindo-lhes acesso ao crédito, à tecnologia e às práticas vanguardistas. É a melhor maneira para assegurar que o paradigma produtivo que começa a se difundir nas principais economias do mundo --flexível, despadronizado, experimentalista-- se estabeleça entre nós de forma includente, não como enclave excludente. O equivalente agrícola a essa política industrial é dotar a agricultura familiar de atributos empresariais e avançar na industrialização descentralizada de nossos produtos agropecuários.
3. Resgatar do emprego informal --quer dizer, da ilegalidade constrangedora-- metade da população economicamente ativa do país . Não basta desonerar e desburocratizar. É preciso também instrumentalizar o empreendedorismo emergente e espontâneo. Só ascenderemos no mundo se apostarmos na valorização do trabalho, na qualificação do trabalhador e do empreendedor e, portanto, na escalada de produtividade. Não temos futuro como uma China com menos gente.
4. Mudar a maneira de ensinar e de apreender. Substituir decoreba enciclopédica por ensino analítico e capacitador, com foco no que mais importa: análise verbal e análise numérica. Só ocorrerá se houver repactuação do federalismo brasileiro para reconciliar a gestão local das escolas com padrões nacionais de investimento e de qualidade.
5. Reconstruir o sistema de saúde, que hoje subsidia, direta e indiretamente, sobretudo por meio do favor fiscal, os 20% de brasileiros com acesso aos planos privados, à custa dos 80% que dependem do SUS. Enquanto aqueles puderem lavar as mãos da sorte destes, jamais se equacionará o financiamento do sistema público. E a maioria continuará a penar nas filas e no descaso.
6. Construir política exterior que sirva a nosso projeto de país. Unir a América do Sul em torno de agenda compartilhada, de produtivismo includente, expressa em iniciativas comuns e tangíveis. Trabalhar por ordem econômica mundial que abra espaço para nossa alternativa. (Hoje, por exemplo, o regime nascente de comércio internacional tenta engessar as inovações institucionais que nos convém. Por exemplo, proíbe, sob o rótulo de subsídios, as formas de coordenação estratégica entre governos e empresas que os países hoje ricos usaram para enriquecer.) Fazer causa comum com os Estados Unidos para nos resguardar contra o país que cada vez mais confronta nossos interesses: a China. Ela aprecia nossas terras e suas riquezas, mas não nos quer inovadores e capazes. O desafio está em reconciliar essa terceira prioridade, que nos aproxima dos americanos, com as duas primeiras, que nos afastam deles.
7. Tratar com seriedade a defesa da nação. A modernização conservadora pretende apenas aplacar as Forças Armadas. Por que gastar dinheiro em defesa quando não há caminho nacional insurgente a defender? Se quisermos, porém, divergir, precisamos poder dizer não. Para isto, temos de desenvolver as Forças Armadas sobre a base das capacitações efetivas, da autonomia tecnológica e da participação nacional. Nossa alternativa precisa de escudo.
Há base social para essa alternativa: aliança de interesses produtivos que reúna desde os grandes, médios e pequenos produtores até as multidões desejosas de seguir a trajetória da nova classe média. O que falta é providenciar a travessia política.
O país arrisca assistir a campanha em que todos os candidatos à Presidência serão adeptos do projeto dominante. Os pré-candidatos de oposição, direta ou velada, estão comprometidos com a modernização conservadora. Claramente o demonstram, por palavras e por omissões, e pela natureza de seus interlocutores, conselheiros e apoios.
E a presidenta? Seu governo não rompeu --quer na prática, quer no discurso-- com o ideário hegemônico. Entretanto, por todas as razões, a começar por sua identidade política, pela dialética da aliança que sustenta seu governo e pelo efeito polarizador da campanha que se prenuncia, é de longe sua a candidatura mais apta para servir à causa da alternativa.
Cabe a nós, cidadãos, nos organizarmos para insistir que o governo da presidenta reeleita lidere a troca de rumo. E para evitar que a campanha presidencial degenere em concurso para determinar quem, entre os candidatos, possa ser mais eficiente na modernização conservadora: agenda que não aproveita o potencial Brasil.
Ação pública em favor da alternativa é o imperativo da hora. A maldição das gerações futuras, a que teremos entregue país apequenado, recairá sobre nós se aguardarmos para ver o que nos vão aprontar. Tratemos de propor e de construir, nós mesmos, cidadãos, outro futuro brasileiro.
ROBERTO MANGABEIRA UNGER, 66, professor na Universidade Harvard (EUA), é autor do manifesto de fundação do PMDB e ativista em Rondônia. Foi ministro de Assuntos Estratégicos (governo Lula)

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Permanecer católicos.

Copiei esse artigo porque me parece essencial nos dias da excomunhão declarada (na ponta da faca e do Direito Canônico) sem nenhuma misericórdia essa reflexão. Fiquei pensando em quem ganha com toda essa polêmica: sem dúvida não serão as pessoas e nem o Evangelho de Cristo. Acho que só  o inimigo ganha com essa falta de diálogo. 
Em todo caso, o artigo mostra que hoje, pra permanecer católico, é preciso ser muito resiliente e criar estratégias. 


 Artigo de Monique Hébrard, jornalista. 

O artigo foi publicado no sítio da revista Témoignage Chrétien, 28-04-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Eis o texto. 


 Os desacordos de inúmeros católicos com a hierarquia não faltam! E a comemoração dos 50 anos do Concílio reaviva a nostalgia pelo que não aconteceu. O que aconteceu com a Igreja em que todos os batizados são iguais em dignidade e providos de sensus fidei? O que aconteceu com a colegialidade de governo da Igreja? O que aconteceu com aquele "diálogo" com o mundo, ardentemente desejado por João XXIII? O que aconteceu com o reconhecimento do primado da consciência? A lista poderia continuar... No que diz respeito a abandonar a Igreja ou a ficar nela, o problema é complicado e demanda nuances. É por meio do batismo que entramos na Igreja. E se cerca de mil pessoas saem todos os anos pedindo para serem "desbatizadas", para a maioria o batismo é indelével. Muito mais numerosos são aqueles que, sem se separar oficialmente pela Igreja, já se afastaram brutal ou insensivelmente. Brutalmente no dia em que se sentiram julgados, rejeitados, excluídos, porque não viviam de acordo com as prescrições do magistério em matéria de moral familiar e sexual. O grande êxodo começou com a saída em massa das mulheres depois da encíclica Humanae Vitae, em 1968. São incontáveis os divorciados que se afastaram no mesmo dia em que se casaram novamente, as mulheres que abortaram ou os casais que se lançaram na aventura da reprodução medicamente assistida. Abandonaram a Igreja ou foi a Igreja que os rejeitou? Os últimos em ordem de tempo a se afastarem são casais de homossexuais cristãos, ofendidos. Em vez de consultar e de escutar as suas associações antes de falar, os bispos em grande parte promoveram a "Manifestação para todos"

(http://www.ihu.unisinos.br/noticias/516935-ato-em-paris-contra-projeto-de-lei-que-legaliza-casamento-gay-reune-multidao)

e os ignoraram. E aqueles que escreveram ao cardeal Vingt-Trois para contar-lhe a sua experiência e o seu sofrimento não receberam nenhuma resposta. Alguns, já feridos pela oração do dia 15 de agosto, e não suportando mais ouvir os repetidos convites para participar da Manifestação, deixaram de ir à missa. Decisivamente rejeitados são todos aqueles leigos comprometidos a serviço de uma paróquia, ignorados por um novo padre que impõe os "seus" fiéis e os seus métodos. Insensivelmente, outros se afastaram... por fidelidade ao Evangelho, que não reconheciam mais naquele modo de agir e nas palavras da hierarquia. Permaneceram católicos todos aqueles brutalmente excluídos ou insensivelmente afastados? Só a sua consciência interna pode dizer. Não praticam mais, não se reconhecem mais nas posições do Magistério, mas continuam às vezes utilizando instrumentos e lugares da tradição e da estrutura católica: grupos de reflexão ou de leitura do Evangelho, compromisso com um movimento de caridade ou outro, frequentação em mosteiros, rotas de peregrinação. Uma minoria chega a mudar de Igreja, passando para os protestantes ou para os ortodoxos. Os tempos mudaram! Os critérios para "permanecer católico" se conjugam infinitamente. Mas há também aqueles que não estão de acordo e continuam sendo não só praticantes, mas também comprometidos na vida da Igreja. Como conseguem? Ou trabalham com um padre ou com alguns padres que acompanham o seu mal-estar, ou estão em um grupo em que se ajudam mutuamente, encontram recursos e militam em outros lugares; ou mantêm um perfil baixo, exercitando-se na santa paciência e instalando uma barreira de proteção entre a sua consciência e as injunções do Magistério. No estilo dos tempos, aceitam algumas, ignoram outras. E, secretamente, sonham com um novo papa que não promulgue mais as suas leis e que dê à Igreja um rosto de misericórdia.