terça-feira, 16 de abril de 2013

Artigo de José Maria Castilho, teólogo espanhol sobre o novo modelo de sacerdote que o Papa Francisco está colocando

Peguei o artigo já traduzido do site da UNISINOS http://www.ihu.unisinos.br/noticias/519310-o-novo-papa-novo-modelo-de-sacerdote-artigo-de-jose-maria-castillo O novo estilo de se apresentar em público, que o papa Francisco está manifestando e que tanto chama a atenção das pessoas, é mais profundo do que seguramente imaginamos. É verdade, há alguns dias, eu dizia que não basta caminhar de sapatos (e roupas) para renovar a Igreja. Hoje, devo insistir num outro aspecto do problema, que me parece inteiramente necessário. Mais do que isso, fundamental. Refiro-me a algo que é muito mais importante do que a roupa que alguém usa. Falo do estilo e da forma de se relacionar com os demais, com as pessoas de um modo geral. Não há dúvida de que este papa é diferente. Em muitas coisas, é como um homem igual a todos, como uma pessoa a mais. Ao menos, essa é a impressão que produz em quem o vê, ouve ou se dirige a ele. Despojou-se de todos os adornos que pôde. E se esforça para se comportar como um homem normal. Nem mais, nem menos do que isso. Bom, pois é isto que a mim parece que representa um “novo modelo de sacerdote”. Por quê? Ao fazer esta pergunta, encaramos uma questão que no cristianismo possui uma importância que talvez não suspeitamos. Na carta aos Hebreus, ao apresentar Jesus (Hb 3,1) como “sacerdote” (Hb 2,17-18), o autor da carta afirma que Cristo, “para poder ser um sacerdote misericordioso e fiel”, precisou se fazer “em tudo semelhante aos seus irmãos” (Hb 2,17a). E assim, cumprindo essa condição, capacitou-se “para expiar os pecados do povo” (Hb 2,17b). O verbo que o texto original utiliza é o verbo homoioô, que expressa conformidade, totalmente semelhante (G. Haufe). Isso nos remete a nada menos do que a kenosis de Deus em Jesus (Fl 2,6-7). Deus se despojou de todas as suas dignidades e diferenças. E, assim, feito “como um entre tantos”, é a forma como trouxe salvação e esperança para este mundo tão desesperançado. O critério é claro e, ao mesmo tempo, tremendo. Para dar esperança, fé e aproximar Deus das pessoas, a primeira coisa que precisamos fazer, aqueles que pretendem colaborar nesta tarefa, é suprimir diferenças, distâncias, dignidades, condutas de superioridade. Quem não fizer isso, irá como palhaço pela vida, não como sacerdote. E é isto o que dá pena. E dá muito que pensar quando alguém vê os padres jovens, que a primeira coisa que fazem, tão logo são ordenados para o que for, é colocarem a vestimenta que os distinguem e que diz: “eu sou distinto, sou superior, sou sagrado e consagrado, e tenho alguns poderes que vocês não têm, nem terão, a não ser que algum dia se pareçam comigo!”. Já sei que ninguém é tão estúpido para pensar e sentir tudo isso. Os padres que se vestem de padres fazem isso porque “assim é ordenado”. E são homens obedientes às normas que vem de Roma, da Cúria ou do Vicariato. Nessa atitude de obediência, merecem todo o respeito. E, no que a mim diz respeito, inclusive, verdadeira admiração. Porque eu não usaria essa roupa, nem que a guarda civil viesse me colocar. Mas, é que – não sei se estou certo – eu acredito firmemente que a teologia do Novo Testamento tem mais autoridade, neste assunto, do que a autoridade que as normas e costumes que vem de Roma podem ter. E mais, eu me pergunto se Jesus deu poder para a autoridade eclesiástica decidir como é preciso que as pessoas se vistam. Sobretudo, quando levamos em consideração que a vestimenta é apenas um indicador de todo um “modelo de pessoa”. E é aqui onde gostaria de chegar. O papa Francisco está dizendo à Igreja, com sua simplicidade e modéstia, o que já disse numa de suas mais recentes intervenções: a responsabilidade pela degeneração, vivida pela Igreja, é dela própria. Subiu-nos fumaça na cabeça, no clero entrou gente vulgar e trepadora, ficaram escondidas coisas que nunca deveriam ficar escondidas, querem manter privilégios, distâncias e dignidades que nada tem a ver com Jesus e o Evangelho. Por esses caminhos, está claro que só vamos aumentar as distâncias, ficando cada dia mais atrasados. E reduzidos ao cultivo dos limitados grupos conservadores que nos restam. Já o cardeal Albert Vnhoye, o melhor conhecedor (católico) da carta aos Hebreus, fez-nos tomar consciência de que, precisamente, a originalidade desta carta está no fato de que vê o sacerdócio de Cristo, dentro do assunto que estamos tratando, exatamente contrário a forma como é apresentado no Antigo Testamento. A condição para aceder ao sumo sacerdócio, no antigo Israel, era a separação. Essa dignidade, apenas os levitas podiam alcançar. E, dentro dos levitas, para o sumo sacerdócio era necessário pertencer à família de Aarão e à estirpe de Sadoc (Ex 29, 29-30; 40,15; Eclo 45,13/16. 15/19. 24/30). Ao que era necessário acrescentar os solenes ritos, sacrifícios, unções, vestimentas especiais, que aquele sacerdote levava consigo (Ex 29; Lv 8-9). No entanto, no caso de Jesus, nada disto é mencionado. O sacerdócio de Cristo não é “ritual”, mas “real” (Hb 5,7-10; 9, 11-28). Por isso, de Jesus não se exigiu separação ou dignidade alguma, mas, ao contrário, sua vida foi um descenso imparável, até acabarem seus dias, da mesma forma como acabavam os dos últimos, naquela sociedade cruel: desprezado, cuspido, torturado e colocado entre os malfeitores. E assim consumou o seu sacerdócio. O papa Francisco iniciou um novo caminho para os sacerdotes na Igreja. Que todo aquele que busca dignidades, privilégios, categorias próprias de escolhidos e coisas assim, que procure em outro lugar. Porque, na realidade, não foi o papa Francisco, nem sequer São Francisco de Assis, em quem se inspira, mas foi o próprio Deus, em Jesus, que abriu o caminho que a todos nós desconcerta. O único caminho que leva à verdadeira humanização, que dignifica este mundo: o caminho que “os últimos” nos apontam, aqueles que Jesus destacou como “os primeiros”.

Um comentário:

Fernando Rezende disse...

Esse é um tema que vai dar o que falar, pois atinge o "status quo" do clero. E o mesmo se pode dizer da proposta do Documento de Aparecida, que aponta na direção da renovação das paróquias como "comunidade de comunidades", o que exige dos padres um novo modo de agir. Estarão os padres dispostos a abrir mão de privilégios?