quarta-feira, 31 de julho de 2013

Caiu o simbolismo de um Papa Monarca no Brasil



Creio que a melhor coisa que se pode falar de FRANCISCO no Brasil (além das milhoes de coisas que se está falando) é que aqui caiu a IMAGEM SIMBÓLICA de um Papa que era MONARCA ABSOLUTO, que tinha que ficar longe da plebe (povo) e que circulava apenas pelas rodas do poder, político ou economico.

No Brasil, ele esteve mais para POP STAR do rock ou do pop e circulou entre o povão e as periferias urbanas. Soube ser franciscano e acolhedor com o povo e jesuíta e rigoroso com os bispos do CELAM. Pediu para que a Igreja saia de si e de suas sacristias e que os bispos nao tenham MENTALIDADE DE PRINCIPE.

Tudo isso só ajuda a reforçar que o Papa nao pode e nao deve mais ser Monarca, mas bispo e apóstolo. SEguidor do Evangelho de CRisto. Isso é uma revoluçao silenciosa e que vai crescer aos poucos. Os funcionários curiais do Vaticano que se cuidem, que o bicho vai pegar pra eles: quem sabe eles terão que sair dos seus escritórios e trabalhar na pastoral. Suprema heresia pra alguns!
Mesmo aquela entrevista do voo de vinda e do voo de volta para a Itália derrubam as barreiras e dão possibilidade de que ele se expresse mais como bispo do que como Príncipe ou Monarca, título que ele recusa...

"Quem sou eu pra julgar os gays?" Ele perguntou. Ora, você é o Papa. E se vc nao pode julgá-los, entao nós também nao podemos. Apenas podemos acolher, rezar e celebrar juntos uma fraternidade gerada na mesma fé e na Eucaristia. Não é pouco.


segunda-feira, 29 de julho de 2013

Mudança de rumos sobre a posição da Igreja com os homossexuais!!!


http://noticias.terra.com.br/brasil/papa-francisco-no-brasil/videos/orientacao-sexual-nao-e-pecado-diz-papa-sobre-gays,479884.html

Deixo o link do Terra que mostra o Papa Francisco falando que ser gay nao é pecado (orientação sexual) e que eles nao devem ser discriminados. Já defendo essa posição há uns 10 anos, interpretando o Catecismo da Igreja Católica. Pelo visto, o Papa Francisco pensa o mesmo que eu...

Os (muitos) católicos que discriminam gays agora nao podem mais se apoiar na visao da Igreja.
Bendigamos ao Senhor!
Sei que isso nao muda o conteúdo da doutrina da Igreja sobre os gays, mas já é um passo. E grande!

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Diferenças entre o Papa Francisco e o Papa Bento


Que diferença a imagem dos argentinos reunidos com o PapaFrancisco: jovens apaludindo, gritando palavras de ordem e - sobretudo - entusiasmados pelo jeito católico de ser cristão. Diferença com o Papa Bento XVI que dizia que nao se pode aplaudir dentro de uma Igreja, porque se está crucificando Cristo! ;-)
Bento XVI, teólogo, pianisa, tímido de personalidade ensinava que a Igreja deveria enfrentar o mundo secularizado e que a época de experimentação em ritos e na liturgia tinha se encerrado. Francisco nao só faz uma liturgia mais simples e menos suntuosa, como incentiva os jovens a aplaudir e a se entusiasmar, saindo para as ruas e deixando a comunidade das belas igrejas, indo ao encontro de Cristo. uma Igreja missionária é o que precisamos, segundo ele mesmo. Mas uma Igreja missionária se faz com alegria, simpatia e entusiasmo... Bento 16 poderia ser um ótimo professor e teólogo, mas nao sobreveveria um dia inteiro em uma missão. A Igreja da América Latina ainda tem muito a ensinar à Igreja da Europa.


quinta-feira, 25 de julho de 2013

É verdade que #CristoBotaFé nos jovens, como nos ensinou o #PapaFrancisco ontem, mas fico me perguntando se as comunidades católicas também #BotamFé nos jovens. Tenho visto é muito preconceito com a juventude, com a sua participação e nenhuma abertura da liderança para o que a juventude quer falar. Jovem só é bom na hora do trabalho braçal na organizaçao de eventos pra gerar dinheiro, mas são colocados de lado na hora de opinar e de ser escutados.
É preciso que as comunidades saibam também escutar as expectativas dos jovens católicos e ir mudando o que nao é essencial no cristianismo.
Não adianta atrair os jovens se eles não tiverem espaço de existência e de açao. 

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Entrevista confirma o já sabido: quem paga pela JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE é a Igreja.

Na entrevista abaixo, a confirmação do que já se sabia: o governo apenas entra com a parte dele; proteger as pessoas e a saúde de todos os participantes da JMJ, INCLUINDO o Papa Francisco. Mas o grosso do evento é pago pela própria Igreja que organiza a JMJ.

http://radioglobo.globoradio.globo.com/jornada-mundial-da-juventude/2013/07/23/QUEM-PAGA-PELA-JORNADA-E-O-COMITE-ORGANIZADOR-DA-IGREJA-CATOLICA-DESTACA-EDUARDO-PAE.htm

terça-feira, 23 de julho de 2013

Opiniões discordantes da opinião oficial da Igreja.


Nesses dias, todas as estatísticas e todas as notícias são direcionadas ao Papa e à Igreja Católica. O que é bom e é ruim, Ruim porque dá um overload de notícias e bom porque tudo o que existe na mídia, existe na sociedade (e o que não é noticiado parece que nao existe!). Como os jovens possuem nível de fé 3 (outro dia explic melhor isso, mas vc pode consultar James W. Fowler - Estágios da Fé - https://pt.wikipedia.org/wiki/James_W._Fowler) O nivel 3 é o que se chama fé SINTÉTICO-CONVENCIONAL, é importante de que a Igreja esteja "na moda" pra que eles se entusiasmem por Cristo e pela comunidade cristã. Depois que passa a modinha, eles podem continuar (ou não). Mas é importante ver que nao há só velhos e adultos nas Igrejas. Que há muita gente jovem, em todo o mundo e que a Igreja tem lugar para as diversas idades e as diversas culturas. Tudo pode ser acolhido na Igreja pelo Evangelho de Jesus.
Mas hoje, ao revisar as notícias e os emails me deparei com essa notícia aqui: 
Sem contestar as informaçoes creio, que essa notícia sofre de um preconceito de fundo. Como se em todos os tempos, os católicos fossem obedientes a tudo o que a Igreja oficial manda: nunca foram, em nenhum período da história. 
Alguns gostariam de dizer que a obediencia do rebanho aos seus pastores fosse o ideal. Mas entre o ideal e o real, as coisas sao muito diferentes. Ouso mesmo dizer, que um cert nível de resistência ativa, sempre tivemos. Nem Jesus Cristo foi seguido todo o tempo por todos os Apóstolos. Além de Judas, temos o caso emblemático de Pedro. Sem contar em Tiago e João que tinham métodos bem opostos aos de Jesus quando não eram recebidos em algum lugar. (Lembra que eles queriam queimar os vilarejos?)
Ser católico nunca representou voce ser fiel a todos os ensinamentos oficiais todo o tempo. A prórpia Igreja, ao dizer que somos pecadores, legitima as nossas fraquezas humanas, entre elas as nossas dissidencias, fruto do pecado e da falta de visão, de misericórdia, fraqueza da carne e do espirito ou mesmo de divergencias de pensamento. Basta voce ler a história de todos os Concílios que vc verá que o debate e a dissidencia nao sao de hoje e nem fazem vc menos católico. A dissidencia vem pela diferença de pensamento e interpretaçao entre textos do Evangelho ou dos Concílios. 
A Igreja Católica sempre contou com essa margem de manobra, sabendo que todos somos humanos e nao somos robos. Porque será que os jornalistas e os pesquisadores esquecem isso? Ou será que nao sabem (catolicismo bem fraquinho, heim?) Mesmo esses pesquisadores são mais católicos do que pensam...


domingo, 21 de julho de 2013

Os recentes números do DATAFOLHA sobre o catolicismo no Brasil

Nesses dias, a imprensa se dedica a esquadrinhar o catolicismo no Brasil e se farta de dizer que a Igreja Católica anda perdendo muitos fieis.  (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/07/1314166-catolicos-vao-pouco-a-missa-e-contribuem-menos-com-igreja.shtml) E que a visita do Papa ao Brasil é estratégica, para manter o seu poder de fogo. 
Parte dessas informações são verdadeiras, mas são extremamente parciais. Toda instituição quer se manter viva e atuante, como um organismo vivo, que precisa repensar suas estratégias e rejuvenescer ou estará fadada ao fracasso e à morte. Mas não se leva em consideração coisas bem importantes e que precisam ser repensadas.

1. A transmissão da fé. Se antigamente, ser católico era como ser brasileiro (nascia-se assim!) hoje as coisas não são mais assim, Sempre tivemos uma pequena minoria de 10% dos católicos que eram ativos em suas comunidades (em alguns períodos a percentagem era ainda menor). Hoje temos 15% dos fieis ativos (em alguns casos mais), o que quer dizer que a participação AUMENTOU, junto com a qualidade. O que não é pouco significativo. O que estamos perdendo é aquele católico nominal que se diz católico, mas que nao se identifica com a Igreja, com suas dinâmicas liturgicas e nem com o seu ensinamento. Gente que se diz pertencer, mas que rejeita a Igreja. Se antigamente bastava por um sino e badalar pra ter rebanho nas missas, hoje as pessoas querem saber mais a fundo qual a posição da Igreja e do padre antes de dizer um sonoro amém e de aplaudir sem motivo.

2. O seguimento de Jesus Cristo. Hoje a Igreja tem seguido menos doutrinas e posições políticas e tentado esquadrinhar a VONTADE DE DEUS a partir dos Evangelhos e do projeto do Reino em Cristo Jesus. A Igreja mudou a lingua vernácula e os seus ritos, no dizer de Bento 16, para se defrontar com o Evangelho de Cristo e com a Palavra de Deus nas suas liturgias. Isso é um salto de qualidade e compromete toda a Igreja e o seu futuro. 

3. A iniciação da fé mudou. Se antigamente a Igreja se contentava em transmitir algumas doutrinas básicas, imitando o gênero CATECISMO inventado por LUTERO, hoje até os docuemtnos oficiais reconhecem que a fé e a vida devem andar juntos e que saber somente algumas verdades nao compromete de fato alguém para ser cristão. Hoje, os catequistas estao buscando um método mais integrado de FÉ, VIDA E ORAÇAO. Nada é mais como antes, para ser cristão as pessoas precisam ser mais profundas e escolher o Cristo, viver com ele e por ele.

4. As missas. Mesmo nas missas que não são carismaticas, tenho visto um esforço da nova geraçao de padres (dos quais eu sou dos mais velhos) que tenta renovar e deixar os rituais mais leves e participativos.


Ao todo, o que as estatísticas esquecem é que no século XXI, a religião deixou de ser transmissão familia e se tornou ESCOLHA pessoal e relacionamento INTERPESSOAL (entre Jesus Cristo e seu fiel e entre os fieis em conjunto). É a partir dessa lógica que todos precisamos trabalhar e a partir dela que se vai fazer frutos ou não. As Igrejas serão julgadas a partir desse critério e não de outros. O que só mostra um crescimento de qualidade de seguidores cmprometidos com o Mestre  em detrimento de uma massa amorfa de ovelhas sem cérebro.

sábado, 20 de julho de 2013

SAO PEDRO COMO O VERDADEIRO SEGUIDOR DE CRISTO.


Nas vesperas da visita do papa francisco ao brasil e à jmj, gostaria de partilhar com vcs um texto academico de grande importancia sobre a leitura de mateus 16 "sobre essa pedra edificarei a minha igreja. nao julgo - nem quero ofender ninguém, menos ainda o papa - mas creio que essa é uma discussao necessária que até francisco iria concordar. bom texto. 


PeDRO: O VERDADEIRO CRISTãO ou o Papa? (Mateus 16)*


Ulrich Luz

O famoso texto de primazia, Mt 16:18, tem sido motivo de intensas disputas exegéticas. Seus efeitos na história são esmagadores. Vá a Roma, entre na Catedral de São Pedro pintada por Michelangelo, levante seus olhos e leia este texto gravado em letras garrafais ao redor da cúpula! Esta é a expressão “petrificada” do tremendo efeito de nosso texto na história subseqüente. Provavelmente nenhum outro texto do Novo Testamento tenha produzido tantos efeitos contraditórios. A interpretação Católica Romana, a de que a pedra da igreja é Pedro e os bispos romanos que o sucederam, é apenas parte da questão. No final da Idade Média e na época da Reforma, nosso texto também serviu como forte argumento exegético contra as reivindicações romanas. As interpretações não apenas variaram largamente na história subseqüente, mas algumas até mesmo contradiziam outras. Essas interpretações contraditórias colocam questões sobre a verdade na interpretação, o principal assunto desse capítulo e do próximo.

Um panorama da história da interpretação

Há quatro tipos principais de interpretações de Mt 16:18 na história da exegese.
1. A primeira é a interpretação tipológica, que não é apenas a mais antiga que conhecemos, mas também a “mãe” de dois outros tipos de interpretação. Nós deveríamos chamá-la de interpretação “democrática” de Mt 16:18. Seu representante clássico é Orígenes. De acordo com ele, Pedro simboliza o cristão sempre verdadeiro e espiritual. Ele diz, “a pedra é cada discípulo... que bebeu da pedra espiritual [Cristo], que o seguiu” (1Cor 10:4)[1]. Em outro lugar, Orígenes diz que a igreja é construída sobre a palavra em cada ser humano e, desta forma, todo cristão se torna forte como uma pedra[2]. De acordo com essa interpretação, Pedro é o tipo do cristão verdadeiro, espiritual e perfeito.
Essa interpretação foi muito difundida no Gnosticismo cristão. Ali Pedro é o protótipo do verdadeiro gnóstico, que recebeu seu conhecimento através da revelação do mundo espiritual[3]. Mesmo Tertuliano, que era definitivamente anti-gnóstico, também entendia a autoridade dada a Pedro como a autoridade de cada cristão espiritual[4].
A interpretação tipológica foi base de dois outros tipos principais de interpretações, a interpretação oriental clássica e a interpretação ocidental clássica.
2. A interpretação oriental: Nas igrejas gregas e siríacas, a pedra foi interpretada como a confissão ou a fé de Pedro. Historicamente, este é um desenvolvimento da interpretação tipológica de Orígenes. Ao identificar esta pedra sobre a qual todo cristão perfeitamente espiritual se funda, Orígenes já tinha apontado para a fé[5]. Tertuliano também poderia interpretar Pedro como aquele que garante uma tradição apostólica inalterada e pública[6]. De acordo com Teodoro de Mopsuéstia, a confissão de Pedro “não pertence somente a Pedro, mas a todas as pessoas. Quando Jesus chamou sua confissão de pedra, ele explicou que seria sobre ela [a confissão] que ele queria construir sua igreja”.[7] Essa interpretação não questiona o fato de que a promessa de Jesus foi dada a Pedro pessoalmente, mas coloca a ênfase na aplicação deste dom. A questão era: “como Pedro é a pedra da igreja?” A resposta refere-se, de forma exegética, à sua confissão em Mt 16:16. Entretanto, esta também é uma resposta contextual à situação da igreja no século IV. A igreja de então tinha de defender sua verdadeira identidade refutando pretensões heréticas. Nessa situação a confissão cristã básica da paternidade divina de Jesus foi, de fato, a pedra sobre a qual a igreja foi construída. Também em séculos posteriores, sob a dominação do Islã, a confissão tradicional permaneceu a pedra sobre a qual as igrejas orientais asseguraram suas identidades. Essa interpretação corresponde não apenas ao texto, mas também às necessidades da situação.
Essa interpretação, focada na confissão de Pedro, foi amplamente difundida não apenas no Oriente; Ambrósio, Hilário e Ambrosiaster a tornaram conhecida no Ocidente. Em um de seus primeiros escritos, Ambrósio adicionou uma observação relevante: Pedro tinha a primazia “de confissão... não de honra;... de fé, não de ordem”[8]. Aqui temos um resquício da polêmica anti-romana, que não era comum nessa época, mas que pode ter sido necessária no norte da Itália. A interpretação oriental continuou conhecida e popular no Ocidente durante toda a Idade Média. Normalmente ela não vinha carregada do tom anti-romano. A razão para isso era que a interpretação romana de nosso texto era tão marginal e desconhecida que não era necessário se preocupar com ela. Apenas no final da Idade Média, como um protesto contra as pretensões papais, poder-se-ia dizer que a confissão de Pedro e não o próprio Pedro seria a pedra[9]. Com esse novo foco, tal interpretação foi usada por reformadores[10]. Não se trata, porém, como muitas vezes se diz, da interpretação da Reforma; na verdade, foi a interpretação mais ecumênica daquela época.
Quais foram os efeitos práticos dessa interpretação? Ela fortaleceu a identidade da igreja, baseada na confissão tradicional, enquanto a interpretação de Orígenes fortaleceu a identidade do cristão individual. Que ela tenha fortalecido a posição de oponentes de Roma foi apenas um desdobramento tardio. Sua posição de não aceitação da autoridade exclusiva do papa justificava-se precisamente pela referência a Mt 16:18.
3. Orígenes e Tertuliano também são os ancestrais de outro tipo importante de interpretação que dominou a exegese ocidental da Idade Média, a interpretação cristológica[11]. O verdadeiro pai desta foi Agostinho. Para ele, a pedra da igreja não era Pedro, mas o próprio Cristo. Textos como 1Cor 10:4 e 1Cor 3:11 foram decisivos na construção de seu argumento. Pedro não é a pedra, mas, como um crente em Cristo e o primeiro apóstolo, ele representa a igreja. Não é que a pedra tenha emprestado seu nome de Pedro, ele poderia dizer, mas sim que Pedro teve seu nome oriundo da “petra”, da “pedra”[12]. A interpretação de Agostinho expressava sua doutrina da graça, porque Pedro, e nele a igreja como um todo, se constrói apenas e tão somente sobre Cristo. Essa interpretação cristológica da pedra foi bastante bem sucedida. Ela se tornou a interpretação dominante da Igreja Ocidental durante a Idade Média. Ela não era anti-papal, até porque Agostinho era um defensor da Igreja Romana. A maioria dos comentadores medievais parece não ter a menor idéia de que Mt 16:18 pudesse referir-se ao papa. Tomás de Aquino, cujas simpatias pelo papa e pelas polêmicas contra as igrejas orientais são bem conhecidas, é uma das poucas exceções[13]. Poucas vezes na Idade Média[14], mas mais frequentemente durante a Reforma, a interpretação agostiniana se tornou um argumento de refutação da interpretação pontificial: Cristo, e não o papa, é a pedra. Cristo queria ter apenas uma pedra; os adeptos do papa têm duas, diz Lutero[15]. Quando os reformadores tomaram posse da interpretação agostiniana, eles não criaram nada novo, mas continuaram a interpretação tradicional da igreja e lhe deram uma ênfase anti-romana.
Quais foram os efeitos dessa interpretação? Para Agostinho, foi o resultado de uma reflexão exegética e teológica. Ele leu nosso texto de forma “canônica”, à luz da totalidade do Novo Testamento, incluindo textos de Paulo como 1Cor 3:11; 10:4. Para ele Cristo é a única base da igreja. Uma das razões para a popularidade dessa interpretação pode ter sido que ela permitia fácil identificação dos cristãos com Pedro; ele é um ser humano, frágil e instável, não perfeito, e ele se constrói sobre Cristo, apenas sobre ele. Em Cristo, a igreja humana e o cristão humano e imperfeito têm suas bases. Eu penso que essa interpretação foi eficiente por ter sido foi uma expressão clara e sincera da piedade cristã.
4. A interpretação romana: Provavelmente foi durante a primeira parte do terceiro século que as pretensões da Igreja Romana à autoridade e dignidade especiais terão sido legitimadas pela primeira vez pelo uso de Mt 16:18. Os registros mais antigos não são claros. Bem conhecida é a polêmica de Tertuliano contra o “Senhor apostólico”, que reclamava para si e para todas as igrejas “próximas a Pedro” a autoridade de atar e desatar pecados como Pedro[16], mas discute-se se foi de fato contra o Bispo Calixto de Roma a que ele se opôs. Menos conhecida é a polêmica de Orígenes contra pessoas que achavam que “as chaves do reino dos céus foram dadas apenas a Pedro”[17]. De novo, infelizmente, nós não sabemos em quem Orígenes estava pensando. O primeiro registro claro do v.18 sendo aplicado ao bispo de Roma data do papado de Estevão (254-257). Cipriano, que vê Pedro como o modelo de todos os bispos, comenta “Uma estupidez aberta e manifesta!”[18]
Até meados do século V, nós temos apenas alguns outros testemunhos. A famosa interpretação do papa Leão I é interessante porque ele combina sua interpretação pontificial não com a idéia de sucessão apostólica, mas com um tipo de misticismo petrino. Ele não se entendia primordialmente como sucessor de Pedro, mas como sua revivificação. O Pedro vivo estava presente nele e em todos os bispos romanos. Hoje, admite-se, mesmo entre as pesquisas católicas romanas, que essa interpretação romana seja uma forma exegética de “legitimação secundária”[19]. Ela busca legitimar as reivindicações da primazia por parte da igreja romana, a qual tem outras razões, tais como o fato de que Roma era a capital, o centro da ortodoxia, a possuidora do túmulo de dois apóstolos etc. Menos conhecido é o fato de que durante a Idade Média essa interpretação romana teve um papel relativamente pequeno. De acordo com Karlfried Frölich[20], ela era conhecida quase que exclusivamente apenas em certos decretais em que é mencionada apenas com o objetivo de apoiar reivindicações papais. Nos comentários medievais, ela é quase inexistente.
A interpretação romana não foi acolhida por toda a Igreja Ocidental, mas, em sentido mais limitado, por líderes romanos. Seu Sitz im Leben [lugar vivencial] foi e continua a ser a justificativa para as reivindicações papais. Ela provavelmente deve seu sucesso final dentro da igreja exatamente ao fato de ter sido articulada por seus dirigentes. Um passo importante para esse sucesso foi tomado nos séculos XVI e XVII. Nas controvérsias com os protestantes, os papas precisaram dessa interpretação para garantir sua própria legitimidade contra o uso protestante das interpretações do texto então mais em voga: a agostiniana e a oriental. Apenas com a Reforma Católica dos séculos XVI e XVII a interpretação romana se tornou dominante na exegese católico-romana. O primeiro exegeta que a propagou foi Cajetano; o livro mais influente foi a defesa da primazia do papa escrita por [Roberto] Belarmino[21]. Tragicamente, o Protestantismo é a causa indireta para a vitória tardia dessa interpretação na Igreja Católica Romana. No Concílio Vaticano I, essa “recente releitura das Escrituras”[22] finalmente prevaleceu. Em 1870, a pedra do papa romano parecia a única defesa contra o novo ataque das “portas do Inferno... que se levantam diariamente com cada vez mais ódio”[23]. As “portas do Inferno” eram os nacionalismos, galicanismo, idéias liberais e esclarecidas, tendências revolucionárias e a iminente perda de terras da igreja para uma emergente Itália.
Os efeitos dessa interpretação na história são tão dominantes que outras interpretações tradicionais de nosso texto estão praticamente esquecidas hoje. Na interpretação romana, o texto serviu como forma de legitimar uma instituição. Ele fortaleceu e estabilizou o papado contra o Império Romano, contra os patriarcas do Oriente, contra o imperador na Idade Média, contra o Protestantismo, contra o Modernismo, Galicanismo, secularismo e outras “portas do Inferno”.

Abertura a novas interpretações e a questão da verdade

Com devemos avaliar essa história dos efeitos? Nas reflexões hermenêuticas do capítulo 1, tentei entender os efeitos como parte do poder dos textos em si. Eu comparei textos bíblicos com uma fonte da qual a água surge e a partir de onde flui para novas terras e em novas direções. Eu entendi interpretação não apenas como a reprodução de velhos significados, mas também como a produção de um novo significado em uma nova situação a partir de um texto já antigo. Eu falei sobre o poder dos textos e interpretei sua história de influência como uma expressão desse poder, destarte, como parte dos textos em si mesmos.
Permitam-me agora identificar uma dificuldade com este modelo. Se as palavras bíblicas se movem através da história como um rio flui desde sua nascente, será que ainda é possível criticar os desenvolvimentos e interpretações que não podem ser diretamente legitimadas pelos textos bíblicos, mas que podem ser entendidas como desenvolvimentos e expansões? Será que não é possível, e será que de fato não aconteceu, que todas as novas interpretações dos textos bíblicos que tiveram sucesso e aceitação pelas igrejas foram legitimadas com auxílio da orientação do Espírito Santo? A idéia de que os textos têm poder de criar novos significados no decorrer da história é comparável, em certa medida, à doutrina católico-romana da tradição. De acordo com a constituição sobre a revelação divina do Vaticano II, a tradição “progride” e “cresce” na igreja sob a orientação do Espírito Santo[24]. Será que o conceito hermenêutico da história dos efeitos não é, nesse aspecto, igual à concepção católico-romana da tradição contínua e sempre em expansão? O Cardeal Newman disse certa vez que não é na história, mas sim “no uso da história feito pela igreja em que os católicos acreditam”[25]. Não espanta, portanto, que muitos de meus amigos católicos que trabalham no grupo do Evangelisch-katolischer Kommentar não se tenham mostrado entusiasmados com algumas das conseqüências colocadas pelas minhas idéias sobre a história dos efeitos! A questão que se coloca é se devemos rejeitar algumas das interpretações supracitadas de Mt 16:18 como sendo contrárias ao texto ou aceitar todas as exegeses – a agostiniana, a oriental e a Católica Romana – como partes legítimas da tradição da igreja, guiadas pelo Espírito Santo. Como podem os textos bíblicos ter se tornado a base para a crítica dos acontecimentos históricos mais recentes se aceitamos a idéia de que eles têm poder legítimo para criar novas interpretações e novas aplicações em novas situações? Será que a liberdade dada aos textos deve ser ilimitada? A influência histórica parece dissolver a possibilidade da verdade.
A exegese de Mt 16:18 é um verdadeiro teste para minhas idéias hermenêuticas. Aqui eu tenho de especificar se a hermenêutica da história dos efeitos pode escapar da desconfortável posição de ser o instrumento de legitimação de tudo que prevaleceu na história. Porque a história dos efeitos dominantes da Bíblia sempre é a história daqueles que ganharam e não daqueles que perderam com o passar dos anos; tal hermenêutica não poderia, portanto, ser mais do que uma ferramenta de legitimação de processos históricos de sucesso ou, de maneira ainda mais cínica, nada além de uma legitimação hermenêutica secundária de legitimações bíblicas também secundárias, as quais têm sido usadas na história da igreja para justificar atos de governantes da igreja ou, algumas vezes, governantes temporais.
Será possível que o significado original do texto, reconstruído pela exegese histórico-crítica, possa exercer controle sobre novas aplicações? Para voltar à imagem da fonte: a localização da nascente determina a direção geral do rio que dela surge, mas o curso específico deste rio não é determinado apenas pela localização de sua nascente. Será que podemos dizer alguma coisa parecida com isso em relação ao significado original do texto? Será que existem aplicações legítimas e ilegítimas à luz de seu significado original? E o que mais além disso é decisivo para decretar a verdade das novas interpretações?

Alguns comentários sobre o significado original de Mt 16:18[26]

1. Meu primeiro comentário diz respeito à análise sincrônica de nosso texto. Sua localização está no fim da seção 12:1 – 16:20, que lida com o conflito entre Jesus e os líderes de Israel e com o afastamento de Jesus e de seus discípulos desses líderes (12:15; 14-13; 15:21; 16:4). Aqui, no final dessa seção, Jesus pela primeira vez vislumbra uma igreja futura, uma introdução apropriada para a próxima seção, 16:21 – 20:34, que lida com a vida e o destino da igreja em Israel. Nós podemos dizer que no macro-texto do Evangelho, 16:13-20 é o ponto em que se considera a fundação da igreja. O fato disso estar ligado a Pedro, o “primeiro” entre os apóstolos (10:2; cf. 4:18-20), não é mera coincidência. Pedro parece ter uma importância especial para a igreja.
Entretanto, há outro aspecto nessa história. Nosso perícope também está ligado a outras perícopes. A revelação do Filho de Deus pelo Pai se segue à revelação em 11:25-27 a todos os simples; a bênção de Pedro acompanha a de todos os discípulos em 13:16-17; a confissão de Pedro do Filho de Deus segue a de todos os discípulos em 14:33. O poder de atar e desatar dado a Pedro no v.19 é dado a todos os discípulos em 18:18. Então, quase nada é dito sobre Pedro que não é dito sobre todos os outros discípulos. Especialmente importante é o fato de que em 16:21-28 Pedro tem um papel antagônico. Ele não é mais chamado de pedra, mas “escândalo”. Ele não expressa o que lhe é revelado pelo Pai celestial, mas o que está de acordo com o pensamento humano e não com Deus.
Deixe-me resumir. Por um lado, nosso perícope tem uma posição especial no macro-texto do Evangelho e combina Pedro com a fundação da igreja. Por outro lado, todas as referências a este texto indicam que Pedro não tenha tido um papel diferente nem que tenha recebido uma bênção diferente da de todos os outros discípulos.
2. Eu compartilho da opinião de inúmeros outros acadêmicos de que Mt 16:17-19 não é uma unidade tradicional antiga, mas uma composição de unidades originalmente independentes que, provavelmente, foram combinadas pelo evangelista. Elas não são parte de alguma antiga história de aparição de Páscoa – uma história contendo os vv.17-19 teria sido uma história de aparição bastante incomum! Todos os semitismos nos textos podem ser explicados como biblicismos de uma comunidade de fala grega ou como semitismos de um meio bilíngüe; não há necessidade, portanto, de voltar a uma origem semítica comum para os vv.17-19. Eu também compartilho com muitos outros acadêmicos da convicção de que o v.17 seja uma resposta redacional de Jesus à solene confissão de Pedro no v.16 e que sirva como uma transição à palavra tradicional do v.18. Eu não tenho certeza absoluta quanto a essa alegação. A redação do v.17 não é muito impressionante em termos lingüísticos. Entretanto, as outras possibilidades são mais difíceis e referências a 11:25-27 e a outros textos são típicas de Mateus. Se o v.17 é redacional, parece que a intenção de Mateus foi assinalar o papel especial de Pedro. Além do macarismo de todos os discípulos em 13:16, Pedro recebe um macarismo especial; e a confissão de todos os discípulos em 14:33 recebe uma resposta especial de Jesus quando Pedro a reformula em 16:16.
3. Mt 16:18 contém uma palavra tradicional. A suposição de Peter Lampe de que sua origem esteja em uma comunidade de fala grega é altamente plausível[27]. Em grego é possível criar um jogo de palavras entre petros (pedra) e petra (rocha). Em aramaico nós temos apenas a palavra kefa que normalmente significa, sem maiores explicações posteriores, “pedra arredondada”; apenas raramente rocha. O nome aramaico de Simão, Kefa (Cephas) é de origem bastante primitiva (de Jesus?), mas a explicação de sua tradução, em grego, como Petros em Mt 16:18 é uma explicação teológica secundária.
Eu penso, em primeiro lugar, que Mt 16:18 é de uma data relativamente posterior. Em tempos pós-apostólicos – e apenas então – nós teríamos dois paralelos baseados no simbolismo da igreja enquanto templo ou construção. Em Ef 2:20, a igreja é uma casa, construída sobre apóstolos e profetas como suas fundações. E em Ap 21:14, os nomes dos doze apóstolos estão escritos nas doze pedras fundamentais da Jerusalém celeste. Essas palavras se reportam ao tempo dos apóstolos e descrevem seu papel como “fundamental” para a igreja. Na época apostólica, entretanto, os apóstolos fundamentais falavam sobre si mesmos não em termos de “fundação” para a “igreja”, mas em termos de suas “colunas” (Gl 2:9).
Em segundo lugar, eu penso que a Síria, o lugar de origem do Evangelho de Mateus, é um lugar de origem bastante provável para Mt 16:18. Há dois motivos por trás dessa afirmação: (1) O paralelo mais próximo do papel de Pedro ao que lhe é concedido no Evangelho de Mateus está na adição ao Evangelho de João (para mim, sírio), em Jo 21. Jo 21:15-17 é bastante semelhante a Mt 16:18 e, diferente do versículo de Mateus, se reporta à função institucional de Pedro para a igreja. Nesse aspecto, Jo 21:15-17 se aproxima muito mais da interpretação romana de Pedro do que Mt 16:18[28]. (2) Mais tarde, Pedro teve um papel muito importante na Síria: As Homilias de pseudoclementinas estão entre os primeiros textos que interpretaram Mt 16:18 como uma promessa feita pessoalmente a Pedro. Em Hom 17.18, Pedro – e não Paulo, cujas alegações são baseadas apenas em visões – é a pedra que verdadeiramente guardaria a tradição de Jesus. Em Hom 20.23 e em Recognitiones 10.68-71, a cathedra Petri é estabelecida em Antioquia! Isso corresponde à tradição posterior da igreja, de acordo com a qual Pedro foi o primeiro bispo de Antioquia[29]. Desta forma, eu penso que Mt 16:18 se originou na Síria em tempos pós-apostólicos. Ele é um dentre numerosos textos do Novo Testamento que resgatam a época dos apóstolos e refletem sobre seu papel único no início da igreja, um papel que permanece de suma importância.
4. Mt 16:19a, a palavra sobre as chaves, também pode ser uma transição estilística entre os versículos 18 e 19b. De novo tenho de admitir que é praticamente impossível provar isso baseado apenas na linguagem. Mas o versículo 19a, assim como o versículo 17 e ao contrário do 18 e do 19bv, não tem paralelo algum no Evangelho de João. Uma transição entre os versículos 18 e 19bc faz-se necessária porque Pedro já não é mais a fundação da igreja no versículo 19bc, mas sim seu mestre autorizado e, por conta da oposição à igreja no versículo 19bc não estar mais no submundo, mas no céu. O paralelo mais próximo – e praticamente único – do versículo 19a pode ser encontrado em Mateus, a saber, 23:13. Aqui os fariseus fecham o reino dos céus e não permitem a entrada de ninguém. Esse versículo – na minha opinião, redacional – soa como um contraste com a totalidade de Mt 16:19. Destarte, Pedro deveria fazer exatamente o que os fariseus e os escribas não faziam. A idéia antiga, encontrada no Oriente Próximo, do paraíso como um espaço ou galeria com portas se encaixa bem com a concepção local de Mateus de um reino dos céus como um lugar onde as pessoas entram. Portanto, eu penso que o v.19a seja uma criação de Mateus.
Por último, o singular no versículo 19bc, na minha opinião, é secundário ao plural em 18:18. O argumento mais importante é que Jo 20:23, o único paralelo para esta passagem, usa o plural. Na tradição, por conseguinte, todos os discípulos têm o poder de atar e desatar. “Atar” e “desatar” significam aqui, primordialmente, a autoridade de Pedro para ensinar e interpretar a lei e os mandamentos de Jesus. Isso corresponde não apenas à massa de paralelos rabínicos para essa expressão, mas também a 23:13. Na perspectiva dessa interpretação, é correto dizer com Gnilka, Mussner e Pesch[30] que Pedro funciona como um “guardião dos ensinamentos de Jesus” (Gnilka) e que a perspectiva de nosso texto para um possível “ministério de Pedro” duradouro caminha nessa direção.
Eu não posso provar que todas as minhas suposições exegéticas estejam corretas. Algumas vezes, a base para minha argumentação é bastante frágil. Uma de suas forças, porém, reside no fato de que todos os elementos diferentes se encaixam bem. Se tudo isso está correto, então Mateus não eliminou a tarefa especial de Pedro ao generalizá-la ou democratizá-la em 18:18; ao contrário, ele criou essa função especial de Pedro ao moldar um espelho de Mt 18:18 em 16:19. Ele personalizou a autoridade e a bênção, que em 18:18[31] foram dadas a todos os discípulos, focando-as na pessoa de Pedro. Assim, não se pode dizer que Mateus não está interessado na função de “primeiro” apóstolo de Pedro e democratiza a tradição, fazendo de Pedro um representante ou tipo de todos os discípulos. Não! Ele criou esse papel especial para Pedro, apesar dele não ter tido nenhuma tradição específica em que se basear, a não ser o v.18. Isso é perfeitamente compreensível para um escritor de um período pós-apostólico cujo interesse está na singularidade dos apóstolos.
5. Como muitos outros autores, eu vejo o papel de Pedro no Evangelho de Mateus como tendo dois aspectos que se coadunam: Pedro é uma figura única e Pedro é o tipo de cada discípulo. À personagem tipológica de Pedro pertence seu papel como “orador” dos discípulos e pupilo de Jesus. Ele coloca questões a Jesus (15:15; 18:21) e consegue respostas. Ele faz objeções e é corrigido por Jesus (16:22s; 19:27ss; 26:33s.). O comportamento de Pedro também pertence à sua função tipológica. Para Mateus, Pedro é um tipo de discípulo real, não ideal. Seu comportamento mostra a ambivalência da realidade da vida de uma confissão cristã e rejeição do sofrimento (16:16-23), negação e arrependimento (26:33-35, 69-75), coragem e fracasso (14:28-31).
Em relação à singularidade de Pedro, o primeiro fato a ser mencionado é o de que o nome de Pedro aparece muito mais frequentemente no Evangelho de Mateus do que o de qualquer outro discípulo. A comparação com os filhos de Zebedeu, que eram frequentemente omitidos, é alarmante. Nós temos de perguntar por que Pedro é apresentando com o discípulo típico. A isso nós podemos somar 10:2, em que Pedro é “primeiro” (por que não seu irmão André?) e nosso texto, em que Mateus começa sua “seção eclesiástica” com Pedro. Onde estão as raízes dessa singularidade de Pedro em Mateus e também nos outros Evangelhos? Naturalmente, é possível mencionar o papel especial de Pedro na Síria, mas isso é importante apenas para Mateus, não necessariamente para os outros Evangelhos. A mim parece que nem o aparecimento de Jesus ressuscitado primeiro para Pedro e nem seu papel como missionário judeu entre os gentios nos últimos anos de sua vida sejam decisivos. Em todos os Evangelhos Sinóticos, o fato de que Pedro é chamado de primeiro discípulo por Jesus é mais importante do que qualquer outro. Parece-me que Pedro se tornou uma figura apostólica central para a igreja primitiva por conta de sua associação estreita com Jesus. O peso dominante de Pedro como a figura apostólica de importância central no final do século I e em princípios do século II corresponde à importância central da tradição de Jesus para a igreja primitiva. Pedro se torna figura fundamentalmente central da igreja porque Jesus é a base da igreja.
Para Mateus, a singularidade histórica de Pedro e sua função como tipo de discípulo real caminham juntas. É fácil entender o motivo. “Igreja” para Mateus envolve discipulado, ouvir as palavras de Jesus e obedecer aos seus mandamentos. É na pessoa de Pedro que essas características básicas da igreja se tornam visíveis. “Ele expressa concretamente o caráter duradouro da igreja de acordo com Mateus: sua relação e obrigação para com Jesus”[32]. Personagem tipológica e figura histórica única caminham juntas.
Isso tem duas conseqüências. A primeira diz respeito ao conceito de sucessão apostólica. A singularidade de Pedro, que consiste em sua proximidade com Jesus enquanto testemunha, não pode ser sucedida por ninguém. Nós sabemos que historicamente não houve nenhuma sucessão de apóstolos em seus ministérios apostólicos para a totalidade da igreja do cristianismo primitivo e que não houve apóstolos depois deles, apenas anciões e bispos locais[33]. A segunda conseqüência diz respeito ao conceito de um “ministério de Pedro” especial. A personagem tipológica de Pedro, que representa concretamente a essência do discipulado para todos, coloca em séria dúvida a noção de uma representação especializada de Pedro em apenas certos membros da igreja.

Significado original, história dos efeitos e verdade

O que podemos dizer da verdade de interpretações diferentes e até mesmo contraditórias de um texto em relação a seu significado original? Será que elas são todas legítimas, à medida que todo galho da história dos efeitos que saiu da raiz – o texto em si – é uma expressão legítima de seu poder?

Uma conclusão “liberal”. A primeira observação a ser feita é que nenhum dos quatro tipos tradicionais de interpretação corresponde exatamente ao texto de Mateus. Em cada interpretação podemos detectar novas experiências e preocupações históricas às quais as interpretações responderam. De alguma forma é a variedade de interpretações que corresponde à mensagem do Novo Testamento, à medida que novas aplicações e novas formas de identidade cristã pertencem aos textos bíblicos. No exato momento em que uma única interpretação se estabelece como única e é usada para suprimir as outras, um elemento essencial do espírito bíblico de liberdade se perde. Isso é particularmente perigoso quando tal interpretação se torna a interpretação oficial da igreja. É importante que todas as mais ricas e diferentes experiências de fé que foram condensadas nas várias interpretações se tornem visíveis em nossas próprias tentativas de interpretação.

Correspondência com o significado original. Nós temos de ir além dessa afirmação genérica. Olhemos primeiro a correspondência entre as várias interpretações e o texto bíblico. O grau de proximidade de cada tipo de interpretação com nosso texto da Bíblia e com o texto de Mateus varia. A interpretação tipológica assume um elemento básico de Mateus e de toda a tradição dos Evangelhos – a saber, a característica dos discípulos como figuras com as quais o leitor pode se identificar. Ela leva a sério o fato de que Mateus não disse nada em nosso texto sobre Pedro que ele não tenha dito sobre todos os outros discípulos. A interpretação oriental sustenta a idéia de Mateus de que a proximidade de Pedro com Jesus faz dele guardião da tradição de Jesus e, por conta disso, a pedra da igreja. Ambas as interpretações estão relativamente próximas do significado original do texto, especialmente a interpretação oriental, que leva em consideração um interesse básico de Mateus.
A distância entre as outras duas interpretações e o significado original é mais considerável. A interpretação agostiniana está bastante longe do significado original de nosso texto, mas ela leva a sério a mensagem completa do Novo Testamento de que Jesus Cristo é o único alicerce da igreja. Sua base primordial não é nosso texto, mas a mensagem do Novo Testamento como um todo. Um texto de Paulo (1Cor 3:11) moldou essa interpretação. A interpretação agostiniana é um tipo de interpretação canônica de nosso texto e um lembrete de que esse tipo de tentativa é uma necessidade. Nossa interpretação atual deve ser guiada por um todo ou pelo núcleo da mensagem bíblica, e não apenas pelo significado original de cada texto bíblico[34].
A interpretação romana leva a sério a promessa que Jesus fez a Pedro pessoalmente. Ela não considera, entretanto, que um único apóstolo, Pedro, como a pedra da igreja, exclui todas as outras pedras depois dele, como fica claro nas metáforas de Mateus: a pedra não cresce quando a casa vai ser construída. As paredes de uma casa são construídas sobre uma fundação; mas a fundação em si, não se desenvolve. Essa interpretação também não leva em consideração a característica tipológica de Pedro, que é o modelo para todos os cristãos. A transformação da autoridade dada a Pedro em uma instituição especial, uma primazia predominantemente jurídica e sua separação da autoridade dada a todos os cristãos, fazem da interpretação romana uma das mais inovadoras de todas as diferentes interpretações. Eu penso que nenhuma outra interpretação fica tão distante do texto do Novo Testamento quanto essa.
Entretanto, será que isso faz dela errada? Será que ela não está em sintonia com a liberdade dada pelo Espírito para que novas experiências, novas situações históricas e novas demandas criem não apenas novas interpretações como também novas instituições? É realmente ilegítimo ir tão além do Novo Testamento como a instituição do papa romano faz? Não é esta também uma possibilidade oferecida pelo Novo Testamento, pelo menos enquanto ela não alega ser a única possibilidade? E não é possível – e, de alguma forma, necessário – admitir que essa instituição, legitimada de forma secundária e exegeticamente errada por Mt 16:18 também serviu ao “ministério de Pedro”, à medida que lembrou a igreja de sua fundação única, a saber, a tradição, a história e a mensagem de Jesus? E não é também verdade que essa instituição, pelo menos algumas vezes, serviu a esse ministério melhor do que outras instituições e organizações eclesiásticas? Essas reflexões mostram a necessidade de outros critérios funcionais além do critério da correspondência com o texto bíblico. Para podermos julgar a verdade de uma nova interpretação do texto bíblico, temos de perguntar o que tal interpretação provoca e seus efeitos em seu próprio tempo.

Um critério funcional não pode ser meramente formal. Se este fosse o caso, então, o sucesso histórico e político de uma interpretação no decurso da história seria decisivo para a verdade; e as interpretações dos vencedores e governantes da história seriam sempre “verdadeiras”. Ao invés disso, esse critério – enquanto critério teológico – não pode ser estabelecido independentemente da história de Jesus, a quem ele corresponde. Observando textos únicos, poderíamos perguntar se o “fruto” de uma interpretação corresponde a suas intenções. Esse inquérito é, porém, insuficiente, vez que precisamos mais uma vez de um critério “canônico” que considere as intenções do Novo Testamento como um todo. Eu proponho que tomemos o amor como o núcleo da provocação colocada pela história de Jesus. Minha formulação do segundo critério é a seguinte: será que uma interpretação ou uma atualização do texto espalha o amor? Eu vou postergar a discussão geral desse critério por ora[35] e tentar aplicá-lo a nosso texto e suas interpretações.
É fácil dar uma resposta positiva para a interpretação agostiniana. Ela é uma expressão da confiabilidade de Cristo, que é uma pedra para todos os cristãos inseguros, fracos e instáveis, como Pedro. Essa interpretação transmite alguma coisa do amor inabalável de Deus por todos os seres humanos. Já para a interpretação oriental de nosso texto, eu acho que a resposta depende de como a palavra “fé” era entendida. Eu gostaria de dar uma resposta negativa para as situações em que a fé na igreja fosse “petrificada” em um sistema rígido de doutrinas que tinham de ser aceitas pelos fiéis em total heteronomia. Essa não é uma fundação que corresponde ao espírito do amor. Houve, porém, outras situações na história da igreja em que fidelidade à “fundação” da confissão cristã era a base não apenas da identidade cristã, mas também de amor ilimitado.
Como a interpretação pontifical, eu gostaria de admitir por um momento que mesmo a criação de um líder monárquico da igreja poderia ser um (não o único) uso legítimo da liberdade oferecida pelo Novo Testamento na construção de uma igreja. De que forma tal instituição monárquica funciona à luz de Mt 16:18? Em primeiro lugar, ela deve servir ao “ministério de Pedro”, quer dizer, como Pedro ela também tem de se submeter à autoridade da missão de ensino de Jesus. Sua própria autoridade não pode ser soberba a ponto de estar acima de críticas das quais ela quer se servir. Ela não pode ser uma autoridade infalível, sem a possibilidade de admitir seus próprios erros à luz da missão e dos ensinamentos de Jesus. Eu penso que a infalibilidade tende a destruir o que eu chamaria de traço ministerial necessário para tal instituição. Em segundo lugar, se uma igreja tem um líder que é o foco de toda a igreja, tal arranjo é viável apenas se este simboliza o que são todos os cristãos e nada mais do que isso. Um papa, visto à luz de nosso texto e da teologia de Mateus, pode ser uma representação visível da igreja como um todo, mas não seu governante. A idéia do papa como um líder não-absoluto e verdadeiramente representante do todo da igreja poderia ser uma nova interpretação de Mt 16:18 em consonância com o espírito do amor. É assim que eu aplicaria o critério funcional à interpretação romana de nosso texto.
Será que esta interpretação romana é, portanto, uma possibilidade legítima? Quando aplicamos o critério funcional, a resposta não precisa ser não. A memória de um papa como João XXIII, que nitidamente representava os dons, a autenticidade e a fidelidade da igreja a Jesus, e que estava se tornando cada vez mais representativo das esperanças da igreja como um todo por uma unidade visível, não apenas em sua parte Católica Romana, pode engendrar esperança. Seu tempo, porém, passou. É também uma lição da história que uma resposta afirmativa não é fácil. Um papado que está longe de corresponder à história de Jesus Cristo e que, portanto, depende de legitimações bíblicas secundárias para explicar sua posição dominante carrega sua própria história como a um pesado fardo.



* Capítulo 4 de Matthew in History: Interpretation, Influence and Effects. Fortress Press, Minneapolis, 1994, p.57-74. Tradução de Tatiana Boulhosa.
[1] Comm. On Matt 12.10 = GCS Orígenes 10.86.
[2] Ver Contra Celso 6.77.
[3] Ver Apocalypse of Peter, Nag Hammadi Codex VII, 71, 14-72, 4.
[4] De Pudicitia 21.
[5] Fragment 345 II = GCS Orígenes 12.149.
[6] De Praecriptione Haereticorum 22.4f.
[7] Teodoro de Mopsuéstia, Fragment 92 = J. Reuss, Matthäuskommentare aus der griechischen Kirche (TU 61; Berlin: Akademie, 1957) 129.
[8] De Incarnationis dominicae sacramento 4.32 = CSEL 79.238f.
[9] Faber Stapulensis e Erasmus; ver U. Luz, Das Evangelium nach Matthäus II(Mt 8-17) (EKKNT I/2; Neukirchen-Vluyn: Neukirchener, Zürich: Benziger, 1990) 477 n.160.
[10] Zwingli, Annotations 321; Melanchton, Tractatus de potestate Papae – Bekenntnisschriften der evangelisch-luterischen Kirch (4a ed., Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1959) 480.
[11] Orígenes, Comm. On Matt. 12.10 = GCS Orígenes 10.86; Tertuliano, De Praescriptione Haereticorum 22.4.
[12] Em John 124.5
[13] Lectura 1348f. (ed. R. Cai; Turin e Roma: Marietti, 1951) 211.
[14] Por exemplo, Tostatus Op 21.169f (ver Luz, Matthäus II, 478, n.169).
[15] Luther’s Works. ed. H. T. Lehmann (Philadelphia: Fortress Press, 1958) 32.68-74.
[16] De Pudicitia 21.
[17] Comm on Matt. 12.11 = GCS Orígenes 10.86.
[18] Epístola 75.17
[19] H. Döring, „Papsttum“, in Neues Handbuch theologischer Grundbegriffe (ed. P. Eicher; Munich: Kösel, 1985) 3.318.
[20] K Fröhlich, Formen der Auslegung von Matthäus 16, 13-18 im lateinischen Mittelalter (Tübingen: Fotodruk Präzis, 1963) 117.
[21] J. Caietanus, Commentarii in Evangelium (Veneza, 1530) 91; R. Belarmino, De Romano Pontifice (Sedan, 1619) 72-105.
[22] W. Kasper, „Dienst an der Einheit und Freiheit der Kirche“, in Dienst and der Einheit (ed. J. Ratzinger; Düsseldorf: Patmos, 1978) 85.
[23] Pastor Aeternus, DS36 no. 3052.
[24] De revelatione 2.8.
[25] “Letter to the Duke of Norfolk”, quoted by J. A. Burgess, A History of the Exegesis of Matthew 16:17-19 from 1781 to 1965 (Ann Arbor, Mich.: Edwards, 1976) 87.
[26] Para a argumentação detalhada, ver Luz, Matthäus II.
[27] P. Lampe, „Das Spiel mit em Petrus-Namen – Mt 16,18“, NTS 25 (1978/79) 227-45.
[28] R. Brown, The Gospel According to John (AB 29B; London: Chapman; Garden City, N.Y.: Doubleday & Co., 1970) 2.1116, diz claramente que em Jo 21:15-17, Pedro não é representante dos outros discípulos.
[29] Desde Orígenes, Hom. On Luke 6 = GCS Orígenes 9.32. Ver G. Downey, A History of Antioch in Syria (Princeton, J.J.: Princeton University Press, 1961) 584-86.
[30] J. Gnilka, Das Matthäusevangelium II (HTKNT I/2; Freiburg, Basel and Vienna: Herder, 1988) 64; F. Mussner, Petrus und Paulus – Pole der Einheit (QD 76; Freiburg, Basel and Vienna: Herder, 1976) 21; R. Pesche, Simon-Petrus (Pup 15; Stuttgart: Hierseman, 1980) 143s.
[31] E em textos similares como Lc 10:5s, 10s, 16.
[32] P. Hoffman, „Der Petrus-Primat im Matthäusevangelium“, in Neues Testament und Kirche (Festschrift for R Schnackenburg; ed. J. Gnilka; Freiburg, Basel and Vienna: Herder, 1974) 110.
[33] O livro clássico que demonstra isso é O. Cullman, Peter: Disciple, Apostle, Martyr, trans. F.V. Filsen (Rev. ed., London: SCM, 1962) 220ss.
[34] Diferentemente de B. Childs, The New Testament as Canon: An Introduction (Minneapolis: Fortress Press, 1985) 35-44, para mim, a dimensão “canônica” pertence à esfera da compreensão (aplicada) e não à da “explicação” histórica e descritiva dos textos, ou seja, não pertence à esfera da “introdução” histórica à Bíblia, onde se torna anacronismo.
[35] Ver pp.91-96 desse livro.