terça-feira, 24 de novembro de 2009

artigo apresentado na UNISINOS - RS

TEOLOGIA E ADOLESCENTES: PROBLEMAS DE BASE

Paulo F. Dalla-Déa,
doutorando em Religião e Educação
pela Escola Superior de Teologia (EST),
São Leopoldo – RS
paulo_fernando@hotmail.com

A piada dos morceguinhos , tão propalada nos meios eclesiais, apenas mostra a fenomenologia do problema de relacionamento entre a Igreja (instituição eclesiástica) e os adolescentes urbanos. Os adolescentes só estão esperando a oportunidade de ser crismados (sic!). Isso é o que diz a piada, discurso informal e forma de expressão da opinião de muitos na igreja.
Sei que muitos estão mesmo esperando a crisma, como sua forma de abandonar a igreja. Será a cerimônia de despedida de muitos. Mas porque isso tem que ser assim? Ou melhor, por que é assim? A piada mostra o seu lado cômico ao saltar da lógica dos morcegos para a lógica humana, justamente quando mostra o seu lado perverso. Adolescentes também atrapalham as celebrações eclesiásticas? Qual o relacionamento do clero (pelo menos parte dele) com os adolescentes?
Sabe-se que o clero, conceito plural e coletivo, não é uniforme. Não se pode iludir que o clero seja um conceito sólido e sem rachaduras; muito pelo contrário: no conceito cabem os mais diversos tipos de padres (e pastores). Desde os mais politizados, passando pelos personalistas, até os mais tradicionais e pentecostais. Há uma gama muito grande de tipos e personalidades envolvidas por debaixo do coletivo clero . Infelizmente, não conheço que haja algum estudo assim com relação ao clero. O estudo (além de curioso!) seria bastante ilustrativo para se perceber as variantes, as limitações e as possibilidades das tribos clericais e dos agentes de pastoral.
Também não se pode falar de adolescentes ou jovens (conceitos diferentes, não podemos esquecer disso!) a partir de um conceito coletivo sem questionamento. Não há um tipo padrão de adolescente ou de jovem. Apenas a mídia eletrônica tem esse tipo padrão. Jovens de classe média ou alta não tem os mesmos sonhos, comportamentos ou perspectivas de vida do que jovens de classe baixa ou pobres. Podem desfrutar da mesma faixa de idade, mas as condições materiais de vida são diferentes, resultando em padrões muito distintos. E não é só isso: mesmo jovens de mesma faixa etária e classe social formam tribos diferentes, segundo muitas outras variantes. Mas essa já é uma discussão antropológica urbana.
Ao falar de moda masculina, Glória Kalil faz em seu livro a distinção entre tribos urbanas , baseada em conceitos e autores da história (Boris Fausto), filosofia (Marilena Chauí) e da etnologia (Sylvia Caiuby Novaes). Não devemos entrar na discussão das tribos urbanas, pois seria um desvio do foco principal. Contudo, não pode deixar de ser registrada aqui. Há muitos antropólogos urbanos estudando as tribos urbanas de jovens, sua constituição, comportamento e relacionamento com a sociedade. Gostaria apenas de lembrar os cinco tipos de grupos possíveis (numa tipologia bem mais simples e acadêmica), segundo a visão de Roberto Daunis :
• Kids: mais jovens (mais ou menos 14 anos); mais ingênuos politicamente; otimistas com relação à vida; menos críticos com a sociedade e mais dependentes dos pais;
• Críticos leais: classe média, alguns trabalham e estudam (40%); pessimista com relação ao futuro e críticos com a sociedade e seus problemas; sentem-se integrados e tendem a se integrar em organizações de esquerda;
• Tradicionais: politicamente bem informados; idade média de 20 anos; confiam em políticos e apóiam os partidos mais conservadores; participam mais da vida de instituições como igrejas e ONGs; tem menor contraste de percepção da vida com os pais;
• Convencionais: jovens trabalhadores (média de 21/22 anos), com formação mais simples (poucos são estudantes universitários); vivem do seu trabalho, conservando-se longe da política e sentem-se pouco integrados ao mundo adulto;
• (Ainda) não integrados: são alunos de escolas ou que estão se preparando para o trabalho profissional; não têm o otimismo ingênuo dos kids, mesmo não achando o seu lugar no mundo adulto; são pessimistas diante do futuro e desinteressados pela política. Estão numa fase de transição.
É lógico que esse estudo é incompleto (faltam tantos outros tipos, que Glória Kalil – embora não sendo acadêmica -consegue registrar melhor). Também me parece lógico registrar que esta última classificação é referente mais à sociedade européia, já que os dados são de uma pesquisa na Alemanha (Shell, "Juventude 97"). Dito isso, não se pode esquecer que a subcultura juvenil hoje é um fenômeno capitalista e globalizado. Pelo menos, enquanto falamos de globalização ocidental .
Ao vermos essa classificação, quase que automaticamente, percebemos que os adolescentes e jovens que participam de nossos grupos eclesiais são os do tipo tradicionais, inclusive porque têm uma visão de mundo muito menos contrastante com relação à visão de seus pais e líderes eclesiais. A participação de muitos parece ser conseqüência de uma visão de mundo continuada a partir de seus pais. A religião é, ela mesma, uma parte da visão de mundo assumida .
Isso nos levanta alguns problemas teórico-práticos com relação à epistemologia do problema em curso:
• A opção preferencial pelos pobres e pelos jovens ainda é lembrada?
• Que tipo de lógica está por baixo da ação e das falas de nossos adolescentes e de nossos agentes eclesiais?
• Existe a passagem de uma oposição negativa (contra tudo – anarquismo) para uma posição contra tudo e a favor de algo (oposição positiva e política)?
• Nossos discursos eclesiásticos não são bom-mocistas demais?
Vejamos um pouco dos problemas aqui colocados:

a. Confusão de linguagem e realidade
Confundir adolescente com criança, jovem com adolescente é um erro grave, de base conceitual e pessoal. Não há adolescente que não se importe com isso. Quando a confusão é para cima, não há tanto problema: o adolescente quer logo se passar por jovem e o jovem por adulto. Mas – na maioria das vezes – a confusão é para baixo, o que transmite a impressão de um sentimento de rejeição e de desvalorização da pessoa, mesmo quando feito de forma involuntária.
Desde a minha tese de mestrado , mostrei que a confusão conceitual não é nova, mas vem evoluindo de forma positiva nos documentos da ICAR. O grande problema colocado pela confusão conceitual é que ela reflete uma preocupação pouca ou nula com relação à participação e valorização dos adolescentes e jovens na igreja. Embora se tenha um discurso que valoriza o adolescente e o jovem, isso de fato não acontece. O que se tem é um caso célebre de dupla mensagem: adolescentes e jovens só são chamados à participação em muitas comunidades para realizar o planejado (festas, serviços de mesa, de limpeza, mutirões, etc), mas não são chamados na hora do planejamento nem na hora de ser beneficiado pelo serviço comunitário realizado.
A confusão só reflete isso: a pouca importância dada aos adolescentes e às suas opiniões. Esse é já um caso crônico na ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana): embora fale de sensus fidelium nos documentos do Vaticano II, as suas implicações nunca são respeitadas ou pensadas. Uma das críticas mais contundentes de Leonardo Boff à ICAR foi justamente isso: ela não tem uma opinião pública que reflita o sensus fidelium do Povo de Deus. Isso exige duas coisas: circulação de informação e de opiniões dentro da comunidade eclesial e escuta da opinião pública dos membros.
No nosso caso, isso é bastante agudo. Se alguns membros da hierarquia ainda escutam alguns membros do laicato , estes mesmos membros da hierarquia não escutam os adolescentes e os jovens, visto que não têm nem dinheiro nem experiência. Não são vistos como membros, mas como fiéis, a quem apenas cabe obedecer e servir. Algo como cidadãos de segunda classe ou incapazes , prontos a ser tutelados.
A confusão e o desleixo da linguagem é apenas a ponta do iceberg. Não é à-toa que os adolescentes não querem participar muitas vezes, de nossos serviços e festas eclesiais. Por acaso alguém os deixa participar do planejamento ou desfrutar do resultado obtido? Se a participação é exigida, a contrapartida de participação e de resultados é descartada, salvo honrosas exceções.
Contudo, a exortação apostólica Christifidelis Laicis dá um salto de qualidade quando afirma que os jovens devem ser mais do que protagonistas de sua evangelização: devem ser interlocutores da Igreja . A frase: “a Igreja tem tantas coisas a dizer aos jovens, e os jovens têm tantas coisas a dizer à Igreja”, do número 46 da Exortação, soa um pouco melancólica, mas muito desafiadora. O que seria que a Igreja têm a dizer aos jovens? A mensagem do Cristo, seus valores, o sentido que ele dá à vida? E o que os jovens têm a dizer e ensinar à Igreja? Sua alegria, sua fé na vida, seu método de trabalho descontraído, seu entusiasmo e sua paixão pelo humano? A Exortação deixa isso em aberto, como a dizer que há ainda um longo caminho a ser percorrido.
O fato de João Paulo II reconhecer que a Igreja precisa aprender com os jovens é de um valor fenomenal para a realidade da Igreja. Nela há grupos e pessoas que vêem os jovens com desconfiança e preconceito. Para esses grupos, o jovem é quase um rebelde sem causa, que precisa ser vigiado, tutelado. Sempre tratado como alguém que não é sujeito. Quase uma criança crescida, que não sabe bem o que faz, o que pensa. No texto pontifício os jovens ganharam estatuto de cidadania eclesial. Com direito a ser levados a sério como interlocutores da Igreja. Isso é um avanço significativo na qualidade e no método de trabalho pastoral com jovens e adolescentes. Se bem que nada acontece de modo automático: o documento e os seus conceitos ainda devem ser não só recebidos, mas absorvidos, digeridos e integrados no corpo eclesial.
Isso tudo leva tempo: anos ou décadas, para ser assimilado e digerido pela ICAR. Até sair dos documentos e entrar na realidade do cotidiano eclesial, demora muito. Enquanto isso não chega a ser verdade, já é um avanço o fato do documento mudar de posição e reconhecer a juventude como grupo que pode ensinar à Igreja, numa via de mão dupla. Isso possibilita levar a sério o que eles falam nas avaliações e nos planejamento eclesiais. Agora há uma nova e séria motivação teológica e pastoral, que pode e deve ser cobrada pelos adolescentes e pelos jovens nas comunidades eclesiais.
Mas cuidado. Alguém poderia ficar muito entusiasmado e confundir a teoria com a prática. Mesmo sendo um discurso do Papa, não se pode esquecer que ele é ainda discurso de cúpula e para se tornar prática na base ainda vai requerer muita luta e cobrança do lado mais fraco: é preciso que os adolescentes se armem dessa ferramenta ideológica para exigir os seus direitos eclesiais de participação efetiva.
Gostaria de apontar para um outro ponto, antes de passarmos adiante. É sobre as práticas pastorais da ICAR. Como se sabe, com raras exceções, a ICAR não recorre a métodos de medição sociológicos ou mesmo a um sistema de metas e resultados gerenciais. Isso possibilita que todo o trabalho pastoral fique desarticulado, confuso e cheio de boas intenções, mais do que de resultados. Os agentes de pastoral, membros da hierarquia ou do laicato, mais trabalham resolvendo ações reativas (problemas) nas comunidades do que planejando a ação e o trabalho concretos. Ações reativas tomam a maior parte do tempo do que as ações ativas.
Sem um método de trabalho claro, cheio de problemas por todos os lados, como concentração de poder e sem um parâmetro claro de metas e resultados, um agente de pastoral vai se focalizar apenas no processo e esquecer que o processo é para gerar resultados. Assim, a maioria dos agentes vai se contentar em reunir as pessoas e não se preocupar em medir se as metas foram ou não atingidas. Deste modo, a ação pastoral vai se desenrolar em ações pela ação. Reunir-se por reunir-se, sem resultados práticos.
Juntando-se isso a uma confusão intelectual de conceitos, como já foi demonstrada acima, o resultado vai ser uma grande mistificação. O discurso concreto e de resultados acabará fatalmente substituído por um discurso mistificador da realidade. É assim com o conceito família e é assim com a participação da juventude.
Gostaria que alguém pudesse apontar o que quer dizer família no discurso eclesiástico. Há alguém no planeta terra que não seja membro de uma família? Família é um conceito tão amplo que envolve pai, mãe, filhos, netos, avós, bisnetos, animais de estimação e tantos outros que se confunde com o termo humanidade. Dizer: é preciso trabalhar mais com as famílias! , também pode ser trocado para é preciso trabalhar mais com as pessoas (com os humanos)! Se qualquer pessoa no planeta Terra é membro de uma família (uma criança de 3 meses, um monge budista de 80 anos e um cientista celibatário de 35 anos, passando pelo Papa e por meu pai e minha mãe, além de mim...) essa frase não tem sentido algum. Mas serve para justificar qualquer ação que se faça na pastoral. Não é preciso ver metas, medir resultados ou fazer mais qualquer coisa.
Com juventude também é assim: existem jovens de 30 ou 40 anos na PJ, entre outros abusos encontrados. Dizer que se tem jovens na comunidade é a mesma coisa. Sempre se terá algum jovem participando na igreja. Mas será que isso justifica a falta de espaço de reunião, de medição de número de pessoas, de falta de ação para aglutinar e de falta de proposta de trabalho?
Resumindo, uma prática oculta e que crassa nas igrejas é a prática de um discurso mistificador, geral e justificativo de qualquer ação concreta. Essa confusão de linguagem e realidade só pode justificar um imobilismo de ação e uma falta de criticidade efetiva no discurso e na prática pastoral. Sem um discurso mistificador, a prática teria que se modificar para melhor e ter que apresentar metas e resultados. O excesso de atrelamento entre Teologia e Filosofia e a sua perduração por séculos fizeram com que a Teologia Pastoral fosse sempre deixada de lado, como uma disciplina menor no universo teológico e como uma “coisa” que qualquer um consegue fazer, até os mais incapazes .

b. Opção preferencial pelos pobres e pelos jovens
Desde Puebla, a ICAR assumiu o discurso de opção pelos pobres. Alguns membros dela também assumiram a prática desta opção. No Brasil, temos acompanhado nos últimos anos um refluxo inclusive do discurso.
Juntamente com a opção pelos pobres, foi assumida a opção pelos jovens . Também como discurso. Quando será que a ICAR vai assumir a opção pelos jovens?
A Pastoral da Juventude (PJ) têm assumido os jovens como opção preferencial como discurso e ação. Já desde antes da declaração de Puebla, mas a partir dela, a PJ lançou-se com convicção para o trabalho de nucleação com grupos de jovens, nas periferias e nos grandes centros. O problema é que a PJ, tão ciosa de seu discurso intelectualizado e de sua prática política comprometida, não consegue alcançar mais do que alguns jovens. Poucos para o universo dos adolescentes e jovens católicos. Não há um estudo sistemático e estatístico dessa realidade. Mas a experiência pastoral mostra que são poucas as comunidades em que existe uma PJ organizada. E – nas que existe – pequena é a percentagem de participação dos adolescentes e jovens na PJ .
A PJ tem se primado por tentar manter as duas opções de Puebla juntas: têm feito uma opção pelos jovens pobres. Isso pode ser visto no discurso e na prática pastoral da PJ.
Parece que alguns membros da ICAR, especialmente leigos de movimentos de espiritualidade neopentecostal, assumiram essa opção como forma de não assumir a opção pelos pobres. Estamos nos referindo à Renovação Carismática Católica (RCC). Se isso for verdade, a opção pelos jovens foi assumida como protesto e contestação pacífica contra a opção pelos pobres. Ou seja: assume-se os jovens para não assumir os pobres. Quase como uma espécie de escolha secundária ou mal menor. Assim, a opção pelos jovens está sendo vivida como opção à opção pelos pobres. Sim, até porque muitos dos jovens assumidos pela RCC têm perfil e/ou discurso de classe média. Na periferia das cidades quase não há grupos da RCC: os pentecostais são os que alcançam a juventude por lá. A RCC e a sua Secretaria Marcos (encarregada da juventude) apenas se instala nas sedes das paróquias ou nas capelas de bairros mais tradicionais. Isso mereceria um estudo mais detalhado, sociológica e teologicamente, que ultrapassa nosso texto.
O problema é que a RCC hoje está repleta de adolescentes e jovens em suas fileiras. São jovens e adolescentes que não têm autonomia (eles querem?) para decidir, já que as decisões importantes são tomadas pelos adultos do grupo. Os que decidem são jovens adultos, recém casados ou solteiros convictos. São, na maioria das vezes, pessoas bem clericalizadas, no discurso e nas vestes.
Assim, temos um problema epistemológico: apenas os que não optaram pelos jovens – como primeira opção – são os que têm maior sucesso entre eles? Qual o segredo disso? As perguntas seguintes, podem nos dar alguns indícios na direção de algumas respostas.

c. Lógica da ruptura versus lógica da identificação
É certo e comprovado que todo adolescente precisa viver o seu período como uma espécie de transição entre a vida e o corpo de criança e a vida e o corpo de adulto. Isso gera uma fissura, que não é física, mas é psicológica. Por isso que os psicólogos e outros especialistas, falam sempre de que adolescência é um período de luto .
Para que o adolescente cresça é preciso que ele responda à pergunta QUEM SOU EU? Bem ou mal, ele precisa responder a essa pergunta e para isso, ele recorre a dois expedientes básicos: afastamento das figuras materna e paterna e integração num grupo de amigos da mesma faixa de idade. Quase que, para descolar de seus pais, ele precisa apoiar-se em alguém. Como num grande castelo de cartas, onde cada carta apóia-se nas outras para manter o equilíbrio, que é frágil.
Ou seja: é a partir de uma lógica da ruptura que o adolescente constrói a sua nova identidade. Ele precisa da ruptura e da crise para adolescer plenamente. Caso contrário, será sempre alguém meio criança e meio adulto, no pior sentido do termo. Um adulto amplamente dependente é sempre um caso patológico a ser tratado .
Ruptura e autonomia parecem palavrões nos discursos eclesiásticos, onde o resumo da ópera sempre diz: obedeça, meu filho, que você vai entrar no céu. Fique eternamente dependente de alguém que lhe seja superior, que tudo irá bem! Ao menos os discursos mais tradicionais (e alguns personalistas), sempre podem ser resumidos nessas frases. Obedecer (= depender de, submeter-se a) é a virtude mais geral para muitos grupos religiosos, especialmente quando falamos dos discursos oficiais da ICAR . Podemos até dizer que o problema não está na ICAR, mas na lógica da identificação usada pelos grupos religiosos, também fora dos muros da ICAR.
A afirmação anterior merece uma explicação. Os grupos religiosos, ao trabalhar com adolescentes, tentam levar o adolescente para a igreja ou levar a igreja para o adolescente. Ou induzem o adolescente a freqüentar a igreja através de pressão (dos pais, do clero ou de obrigações morais). Ou tentam ir ao encontro do adolescente, falando uma linguagem mais moderna, mas ainda com a estrutura lógica da identificação, mesmo que seja apenas para favorecer o discurso de proteção, tão presente depois de 11 de setembro de 2001.
Acrescente-se aqui que a segunda proposta já representa um avanço com relação à primeira, porque vislumbra já uma preocupação em modernizar o discurso, mesmo sem ainda atualizar a prática. O problema é que sofre da mesma estrutura mental. Ou seja, tentam identificar (unir, colar, rejuntar) o adolescente com o corpo eclesial (igreja), justamente no momento que o que ele quer é se separar dela, assim como de sua família. Não dá certo, ou a identificação é provisória, apenas funcionando pelo tempo da catequese de crisma, por exemplo. Enquanto for preciso freqüentar a igreja para ser crismado, satisfazendo o desejo dos pais e da igreja para o futuro (casamento eclesiástico ou outras formalidades), ele irá e fará o mínimo necessário. Isso, se aceitar participar do jogo. Os que não aceitam já se rebelaram e estão em outra fase.
É preciso sair da lógica da identificação com a igreja e passar para um discurso de não-identificação com a igreja, mas com a pessoa do Cristo, visto como uma espécie de rebelde em relação às instituições de seu tempo. É preciso identificar o adolescente com o Cristo e não com a igreja . A igreja é vista como parte da família, da qual o adolescente quer se separar. O pai e o padre falam, na maioria das vezes, o mesmo linguajar da obediência. Não é ingenuamente que os adolescentes chamam de sermão a pregação do padre/pastor e a bronca do pai em casa.
O adolescente que se identifica com o Cristo, formará um grupo com os seus pares, virando uma espécie de missionário informal . Ele está na fase de formar grupos, quaisquer que sejam, desde que de formação horizontal. Esse grupo formado é já a igreja, que ele não identifica mais como sendo uma parte da família, mas uma parte de seus pares. A igreja vem como conseqüência segunda de uma identificação primeira com o Cristo.
Creio que isso fica mais esclarecido quando lemos D. Bonhoeffer – especialmente o livro Discipulado. A ruptura epistemológica que ele fala se dá aí: uma graça preciosa é necessária (ou uma conversão) para que o adolescente, rompendo com a religião dos pais , crie a sua própria forma de ser cristão. E quanto mais diferente da forma de seus pais, mais atraente para os adolescentes porque têm um caráter de rebeldia consentida (e contida). Adolescentes gostam de se opor, mas sem se arriscar muito. Seria esse o grande trunfo da Renovação Carismática Católica (RCC) e dos grupos pentecostais? Parecer ser novo (ou mesmo rebelde), sem de fato sê-lo? A resposta precisa de maior investigação, mas aqui já abrimos algum caminho ao apontar uma nova fonte, que é preciso levar em consideração.
Há um evidente equívoco na lógica da ICAR, que induz todos ao erro. Os documentos eclesiais, incluindo os que versam sobre catequese, falam de uma catequese contínua (ou de continuidade da catequese ), que é sempre entendida como uma catequese que deve não ter rupturas, na pedagogia ou na idade. Não deve haver saltos, mas continuidade ininterrupta. Uma outra leitura dos mesmos textos poderia falar de uma catequese orgânica e integral, não de uma catequese sem saltos. Digo isso, porque quero ressaltar que o atual processo integral de formação de personalidade por que passam os adolescentes é marcado por uma ruptura necessária. A adolescência é um período de luto:
• pela identidade infantil perdida,
• pelo corpo de criança que perdeu;
• pelos pais da infância.
A adolescência em si é uma ruptura. Ou seja: é preciso levar em conta o processo antropológico pelo qual passa o adolescente/jovem nessa idade até se tornar adulto no atual mundo capitalista. É preciso estar por dentro do processo de ruptura adolescente e trabalhar em vista disso. Quem tem ou teve adolescente em casa sabe bem do que estou falando: o adolescente quase que precisa ser do contra (e se afastar da opinião dos pais!) para saber quem ele é. É uma ruptura necessária e controlada: se não passar por este processo, a pessoa será eternamente uma criança grande, com acontece com alguns adultos que são eternamente dependentes. Sempre dependentes da opinião e da aprovação dos adultos e dos seus pais. E correm o risco de permanecer infantilizados e de não conquistar a autonomia de que precisam.
A catequese de crisma incide em cheio na fase da adolescência das pessoas em desenvolvimento. É a lógica da ruptura que perpassa a cabeça dos nossos adolescentes . E a Igreja (e os catequistas) está trabalhando com a lógica da continuidade .
Ou seja: a vida não se desenrola sempre sem rupturas, mas elas fazem parte da vida, necessariamente . É um elemento que podemos considerar como antropológico. E isso é ainda mais verdadeiro no caso dos adolescentes: a ruptura que eles têm é necessária. É a isso que chamo de lógica da ruptura. E ela faz parte de um processo integral de desenvolvimento humano. Para um correta compreensão da catequese integral, temos que assumir a ruptura como parte dela, sem querer exorciza-la.
Mas muitos ainda não aprenderam isso. E continuam trabalhando com adolescentes sem diferenciá-los das crianças. Assim, tratam a catequese de crisma com sendo uma super-primeira eucaristia , querendo aprofundar os conteúdos da catequese de primeira eucaristia. Não se pode trabalhar assim: se alguém quer que a catequese seja orgânica e integral (Catequese Renovada, 94) deve-se respeitar a organicidade do processo integral do adolescer humano. Só se adolesce (amadurece) rompendo com (coisas, pessoas e situações) para se unir a (outras coisas, pessoas e situações) que agora farão parte de minha história.
Em outras palavras: estamos trabalhando errado por excesso de idealização. Se quisermos trabalhar certo, teremos que considerar seriamente que a ruptura para a identificação é necessária para o adolescente. Precisamos fazer que a ruptura seja usada a favor da evangelização e não contra ela.
Ainda mais um elemento: desconfio seriamente de que a religião seja parte da família na mente das crianças, pois elas são levadas pelos pais às missas, celebrações, grupos de quarteirão etc. É como se a Igreja fosse uma extensão da sua família. Se esta hipótese for correta, quando a adolescência chega, a pessoa deve se desvencilhar da imagem dos seus pais que tinha na infância (normalmente) e – por tabela - também da religião dos pais. Afinal, não são eles que levam a criança para as celebrações da comunidade?
Isso explicaria a fuga de muitos adolescentes da comunidade eclesial (que continua tratando-os como crianças tarefeiras! ). E explicaria também o fato de que alguns adolescentes que tem pais não-participantes se tornem tão fervorosos na religião: vontade de protestar contra para achar quem se é. É claro que este não é o único fator explicativo do fato, mas incluo seguramente como um deles.
Se é verdade de que a religião dos pais precisa ser abandonada , também é verdade de que eles precisam também construir a sua própria religião. Ou os adolescentes entram em movimentos religiosos de conversão (ruptura com o passado) ou então, constroem sua religião através de bandas de rock, grupos de hip-hop, ou qualquer outra coisa. Ou seja: temos aqui uma religião secularizada, bem ao gosto da cultura capitalista pós-moderna.
Os adolescentes e os jovens não são a-religiosos: são religiosos do seu modo, porque não conseguimos apresentar uma forma melhor de vivência religiosa. Já que as igrejas tradicionais (ICAR, Luterana, Anglicana, etc) não conseguem falar a eles de forma inteligível, eles fazem o seu próprio discurso religioso.
Para terminar este ponto: precisamos construir um método catequético que inclua a ruptura com métodos e conteúdos para podermos fazer que os adolescentes se vinculem novamente a Jesus Cristo e por ele à sua Igreja . Atualmente estamos querendo fazer o contrário: vincular o adolescente à Igreja para chegá-los a Jesus Cristo. E isso se mostra ledo engano: nunca conseguiremos trazer primeiro os adolescentes para a missa a fim de estar com Cristo. Só eles, depois de se identificarem com Cristo, é que virão à comunidade de fé, que tem como expressão máxima de fé a Eucaristia. Jorge Borán reconhece que os movimentos de encontro da década de 1970, já trabalhavam a juventude de forma muito melhor do que estamos fazendo agora, pelo menos no que tange à nucleação de novos grupos entre indiferentes. Estes movimentos se preocupavam mais em identificar o jovem com o Cristo, para só depois trazê-lo à Igreja. Esta parece ser uma abordagem correta, do ponto de vista prático e teórico: a Igreja é a comunidade dos discípulos de Jesus Cristo Ressuscitado e não uma instituição que guarda a sua mensagem. É mais correto falar da Igreja como grupo de discípulos em viagem (Emaús, Atos dos Apóstolos) do que a identificá-la com um banco, que tem um cofre , por mais seguro e dourado que ele seja. Para isto, é preciso uma grande mudança de perspectiva hermenêutica na pastoral das igrejas tradicionais.

d. De uma oposição negativa (anarquismo) para uma oposição positiva (participação política)
Um primeiro passo é saber trabalhar com a lógica da ruptura e com um discurso revolucionário. Um outro passo é trabalhar a oposição negativa, fruto da idealização lógica do adolescente.
Todo adolescente chega um dia a ser cruel com os julgamentos que faz dos adultos e de seu mundo. É que a idealização do mundo e das pessoas é ainda bem grande. Não é mais a mesma do mundo infantil, mas na adolescência, a lógica abstrata desenvolvida ainda não encontrou o chão da experiência e ainda argumenta por hipóteses e realidade lógica. É um mundo ainda muito virtual: confunde-se a capacidade de raciocínio com a capacidade de realização . A oposição negativa de todo adolescente deve ser canalizada para uma oposição mais criativa.
Faço aqui uma diferenciação entre oposição negativa e oposição criativa: a primeira é aquela oposição em virtude da destruição de uma coisa, acontecimento ou pessoa. Toda pessoa tem isso dentro de si, mas ela é vazia de significado e tende a se mostrar sua utilidade na aniquilação de obstáculos e situações que vão contra a vida do sujeito. Esta oposição é caótica no tiroteio que promove, sem ter um alvo em mira, podendo causar estragos pelo número de balas perdidas que gera. A segunda é aquela que se tem em vista de uma nova construção ou ordem de coisas. E que deve ser geratriz de novos rumos e comportamentos em vista da destruição do antigo e da edificação do novo que se quer implantado.
Para uma oposição criativa conseqüente é preciso ter uma planta da realidade que se quer chegar (um alvo ou meta a atingir). É como na reforma de uma casa: é preciso perícia e visão clara para colocar abaixo apenas o que se precisa a fim de não dormir ao relento, enquanto se está mexendo com a estrutura velha em vista de uma nova casa para se morar melhor.
Canalizar a oposição negativa em oposição criativa é ver todos os problemas da atual conjuntura e da estrutura social e eclesial, confrontá-la com o Evangelho do Reino e articular um plano de ação bem preciso para a execução da mudança. Mas não se pode esquecer que é preciso articular dentro e fora. Será preciso de duas equipes de trabalho: uma dentro, que engendre a mudança eclesial pela participação na comunidade e outra fora, que negocie a mudança na sociedade, através das ONGs e outros projetos sociais (e até políticos). Para tal, será preciso apresentar a participação na comunidade e na sociedade não como duas instâncias opostas (como muitos vêem), mas como realidades complementares de um mesmo plano. O plano de ação deve conter passos dentro e passos fora. E ambas as equipes deverão ser apresentadas como sendo integrantes de um mesmo trabalho em vista da Boa-Nova do Reino.
Aqui pecam muitos dos nossos discursos e práticas eclesiais: estamos acostumados a separar e dividir, mas precisamos articular o trabalho, sem dividir o otimismo, sem prejudicar a visão e sem deixar de lado a utopia do Reino. Para que tal aconteça é necessário articular grupos de trabalho coordenado. Em três semanas, trabalhamos em rodízio nas necessidades mais urgentes do bairro e na semana seguinte, nos reunimos para discutir e articular o trabalho na Igreja. Assim, grupos de capoeira, visitas aos doentes e trabalho de alfabetização poderão ganhar o reforço adolescente e entusiasta das novas lideranças formadas na catequese de crisma e que poderão celebrar isso em comunidade, trazendo novas discussões e novas visões para dentro da comunidade eclesial, ajudando a renová-la e motivá-la para coisas menos eclesiásticas e mais evangélicas.
Nada mais irreal do que se opor a "tudo o que está aí". O que é "tudo o que está aí"? Esse discurso é vazio e barato. É fácil de fazer e de se identificar porque não fere ninguém, nem muda nada, porque não têm um alvo específico. Não tendo um alvo, não há quem atingir, a não ser por acaso, como numa bala perdida.
¡Hay gobierno, soy contra; y se no lo hay, soy contra también! Esse é o discurso do espanhol anarquista e que se parece ao de muitos adolescentes. É claro que isso é uma caricatura, mas ilustra bem a posição de muitos: são contra a igreja sem ser a favor de nada.
Esse discurso "rebelde" pode ser apenas uma fase e é mais comum entre adolescentes de classe média e alta. Para ser contra tudo é preciso uma boa educação crítica (que se consegue em bons colégios pagos pelos pais), algum tempo livre para pensar e discutir com seus pares (não se pode trabalhar e estudar para tal) e até mesmo se divertir (a diversão no capitalismo é privatizada e paga) nos finais de semana. É uma posição política boa para ser assumida pelas classes mais abastadas (ou por quem pode viver às custas de seus pais, o que dá no mesmo) e não precisa trabalhar e estudar. Por isso, tenho encontrado poucos "rebeldes sem causa" que sejam ao mesmo tempo trabalhadores em tempo integral.
Quando se é apenas contra e não a favor de algo, temos o típico rebelde sem causa (e sem religião). Esses ainda não foram atingidos pela igreja-comunidade ou o foram demais pela mídia massiva capitalista, distorcendo e caricaturizando a religião e os seus membros.
Pio XII, desde o seu tempo, já sabia que o melhor apóstolo para um jovem é outro jovem . Para se vencer essa rebeldia sem causa é preciso um esforço de evangelização inteligente. Não adianta padres e pastores, pais e avós (incluindo os tios mais velhos), professores e diretores de colégios – adultos em geral – falar, aconselhar e orientar os jovens, incluindo os mais rebeldes, a praticar a religião, a ir à missa ou outra coisas que tais. Se vamos levar a sério a recomendação do velho Pio XII, um adolescente só é alcançado por outro adolescente ou jovem. Alguém até 24 ou 25 anos, que é quando se sai da faculdade, casa-se ou começa-se uma vida de adulto. Até essa data, consegue-se fazer a passagem, mesmo para os adolescentes mais rebeldes.
Um jovem até 25 ou 30 anos, mesmo não sendo mais adolescente, ainda se consegue ter a rebeldia contida de posições idealistas e é isso que cativa os mais "desgarrados". Por isso, mesmo um adolescente mais jovem, quando tem a linguagem e a postura de um adulto, não consegue fazer muita coisa entre seus pares. É uma questão de liderança ideológica. E só alguém mais velho que não lhe faça o papel de pai poderá conseguir essa confiança necessária para a liderança. É preciso ser confidente e não pai para orientar alguém de rebelde sem causa para rebelde com causa. Contra algo e a favor de algo. É fácil notar que a segunda postura é mais realista e mais equilibrada. Menos rancorosa.
A Pastoral da Juventude (PJ) tem uma postura indulgente em nível pessoal, mas suas críticas políticas são muito intelectualizadas, não conseguindo ter um discurso compreensível por muitos adolescentes. Além disso, a PJ não conseguiu ainda ter uma postura personalizada para a recepção e o acompanhamento de novos membros. Quem entra num grupo da PJ começa a discutir assuntos com pessoas que tem muito mais tempo de caminhada, sem nenhuma introdução ou acompanhamento especial.
A RCC tem uma postura mais tradicional ideologicamente, mas tem uma acolhida e uma orientação personalizada exemplar, sendo feita por muitos pares adolescentes. O seu método de trabalho é em pequenos grupos, a que se chama de pastoreio . O pastoreio é um método simples: um jovem ou adolescente com algum tempo de caminhada orienta outros com menos tempo de caminhada, durante e depois das reuniões. É quase uma espécie de apadrinhamento. Há sempre reuniões de oração e formação periódicas com os pastores para se resolver os problemas concretos e ir direcionando para soluções.
É preciso orientação, aconselhamento e amparo concreto (poimênico) para adolescentes em todas as fases (especialmente para os mais rebeldes). Coisa que a pastoral tradicional da igreja não conseguiu atingir. Não é só um problema de método, mas de epistemologia pastoral: trabalhar a massa é diferente de trabalhar e acolher as pessoas. Alguém só se considera membro de um grupo quando é valorizado no varejo e não no atacado.

e. Bom-mocismo dos discursos eclesiásticos
Se o adolescente precisa romper com algo para se identificar com outra coisa, então precisamos apresentar o Cristo com o nível de conflito com a família que ele realmente tinha. Não há um só texto nos sinóticos que mostre uma relação harmônica entre Jesus (adolescente ou jovem-adulto) e sua família. Jesus não era um “bom garoto” como muitos gostam de enfatizar. Muito pelo contrário, nas passagens que menciono no rodapé da página, há a exigência de abandonar pai, mãe e irmão para ser discípulo de Jesus.
O grande problema é que sempre atendemos para a submissão que Lucas se refere num único texto, após o conflito de Jesus aos 12 anos. Nesse texto lucano, vemos Jesus em conflito com os fariseus (“...sentado em meio aos mestres...” – o que denota uma atitude de igualdade) e com sua família, a quem recrimina (tendo em vista a vontade do Pai). Mas isto não é falado. Apenas é sempre enfatizado o aspecto da submissão do texto.
Em outros termos: para ser discípulo de Jesus é necessário ser alguém que não questiona ou que aceita passivamente a posição de inferioridade causada por uma infância estendida além do tempo. Segundo estes termos, para ser discípulo de Jesus é necessário ser um adulto que se comporta como criança: alguém que é eternamente dependente , no mau sentido da palavra. É justamente deste tipo de raciocínio que os adolescentes (e os jovens também) zombam e ridicularizam. É disto que eles fogem: ser cristão assim equivale a ser eternamente dependente de algo externo. É perder a própria autonomia.
Por isto, precisamos restaurar um discurso em que ser discípulo de Jesus seja uma espécie de revolta contra algo. Uma revolta que seja controlada, mas que seja revolta contra a religião dos pais. Só assim eles terão motivos para se identificar ainda dentro da comunidade eclesial . Os mesmos adolescentes que precisam ter uma ruptura de passagem de uma fé recebida (vivência religiosa dos pais) para uma fé assumida (vivência religiosa própria) precisam ter espaço e linguagem para se rebelarem, continuando com Cristo. É muito saudável a para nova geração que ela tenha vontade de mudar o mundo . Mas para tal, é preciso que eles sonhem com um mundo possível, onde a comensalidade da proposta de Jesus não seja apenas uma miragem, mas uma sadia revolta contra este mundo, que deve ser substituído por um mundo outro e não um outro mundo.
O problema é que a ICAR tem dificuldade – por se tratar de uma instituição secular e com larga tradição em estar atrelada aos favores do poder civil – em suportar um discurso que seja minimamente revolucionário ou contestatório. Qualquer sinal nesta direção cheira a perigo grosso . E isso não só por parte das instâncias oficiais, mas também está enraizado no “inconsciente coletivo eclesial”: muitos pequenos grupos e muitas pequenas lideranças têm aversão a qualquer tendência minimamente revolucionária. Até parece que bom catolicismo é catolicismo conservador ou mantenedor do status quo. E é para isso mesmo que pessoas com algum poder de mando têm interesse na religião: ela servirá para amansar, sossegar, sujeitar e tornar bonzinhos as pessoas (crianças, adolescentes e mesmo adultos). É só ver para que diretores de escola, diretores de presídio e agentes penitenciários, prefeitos e juízes gostam da presença de pastores e agentes de pastoral nestes ambientes. Com o discurso religioso, amansa-se a fera humana que existe em cada um de nós e brota com força nestes lugares. Karl Marx tinha razão em partes: se a religião não for o ópio do povo, ela não será bem quista por muitos.
Assim, o discurso bom-mocista é sempre incentivado e acaba por cativar sempre as mesmas pessoas. Normalmente, jovens que fazem da comunidade eclesial uma espécie de família estendida onde o pai será sempre a autoridade e a mãe será sempre a afetividade simbólica de nossas liturgias. Assim, o “fiel” não correrá o perigo de crescer na fé, porque terá sempre quem lhe diga claramente o que e quando fazer, através das normas, usos e costumes católicos. Esse discurso bom-mocista, além de reforçar a dependência com relação à igreja e a seus ritos, contribui para eternizar um comportamento infantilizado e heterônomo, mais próprio de uma atitude pagã do que de uma atitude cristã. Nada próprio de um laicato que desejamos seja engajado e comprometido com a causa do Reino. Mas muito conveniente peara grande parte da hierarquia.
Qualquer tipo de adolescente que esteja com problemas de relacionamento na família tenderá a descartar este tipo de discurso reforçador da estrutura familiar tradicional, exemplar e arquetípica, porque não resolve o problema e dá razão sempre aos adultos (tendo ou não razão!). Assim procedendo, poderemos apenas trabalhar com alguns adolescentes, em geral os mais imaturos, que não conseguiram fazer a síntese pessoal com a negação da família. Ficamos, então, com uma percentagem bem pequena de adolescentes que aceitam ser passivos e que tenderão a sê-lo em outras circunstâncias da vida. O adolescente questionador e um pouco rebelde não é rejeitado, mas se auto-exclui através do tipo de discurso que fazemos . O que é bom para a instituição eclesial, que continua se achando sincera e apontando o problema para os adolescentes. “Eles é que não querem nada com a Igreja!”, concluem muitos, de forma conveniente.
Todo o resumo do discurso eclesial pode ser assim feito: obedeça aos seus pais, aos seus superiores, às autoridades políticas e religiosas! Ora, esse discurso é bom para crianças, que têm os seus pais como infalíveis, mas não para adolescentes, que tem os seus pais como geração a ser superada. Enquanto não gerarmos discursos que favoreçam a autonomia de pensar e agir por conta próprias, vai continuar difícil trabalhar bem com adolescentes. É de uma questão epistemológica que estamos falando. Não é possível trabalhar com adolescentes que querem autonomia (e precisam dela para se transformar em adultos!) com discurso e prática para crianças.
Fica-se admirado ao se fazer análise de discurso na igreja , tal é o número e a profundidade do bom-mocismo dos discursos eclesiais. Não se fala de Jesus como alguém que teve problemas de relacionamento com seus pais (Lc 2,41-52), ou que teve oposição de seus familiares, que o consideravam um idealista radical e queriam declará-lo louco (Mc 3,20-35; Mt 12,46-49 e Lc 8,19-20). Não se mostra a contestação de Jesus aos políticos e aos chefes religiosos e políticos da época (Mc 3,1-7; Mc 12,13-17), nem o desmascaramento religioso e ideológico de Jesus expulsando os cambistas do Templo (Mt 21, 12-17).
Não são doces as imagens de Jesus? Não são sonolentas a maioria das pregações e celebrações de nossos templos? Nada parece afirmar que Jesus é um homem pobre, trabalhador braçal e que desestabiliza o poder religioso e político por suas posições concretas e suas contestações bíblicas . Tudo parece afirmar que Jesus é um extraterrestre que baixou aqui já pronto e acabado, com discurso decorado e roteiro de uma peça de teatro. Fica-se com a impressão de que este Jesus de pele loira, olhos azuis e cara de alienado, que vemos em nossa simbólica burguesa , só faz ajudar a dormir. Se mesmo muitos adultos não agüentam esta pregação desencarnada e alienante das igrejas, ela atingiria adolescentes e jovens? Por isso, ninguém fique espantado se muitos adolescentes e jovens preferem ir a danceterias e a festas: é mais movimentado e menos sonolento. Para dormir, é melhor ficar em casa, porque é mais confortável. Os discursos sobre Jesus precisam ser mais concretos e aproveitar a rebeldia natural dos adolescentes que querem independência e resultados concretos. Jesus não pode ser descrito com um guru hindu que não sai do seu nirvana , não se exalta por nada nem se preocupa com coisas materiais. Nada mais fora do projeto jesuânico do que isso.
Paul Tillich faz toda uma argumentação teológica, muito pertinente para o nosso caso, sobre autonomia, heteronomia e teonomia. Chega a dizer que a igreja "está sujeita a uma tentação quase irresistível: a de se tornar heterônoma e de suprimir a crítica autônoma, provocando exatamente por estes métodos, reações autônomas. Estas em geral são tão fortes a ponto de provocar o secularismo não só da cultura, mas também da própria igreja".
O discurso do bom-moço é o discurso da heteronomia para um ser que está na fase em que precisa se afirmar autonomamente para crescer como gente. Não é à-toa que muitos adolescentes fogem deste discurso como o demônio foge da cruz, num dizer mais popular.
Ao trabalhar com uma lógica clássica do discurso, a ICAR não consegue perceber a dificuldade de um adolescente em entender e aceitar esse tipo de raciocínio linear e não-contraditório. A mente contemporânea do adolescente consegue aceitar bem a contradição no próprio pensamento e na vida, coisa que a lógica eclesial – excessivamente aristotélica – não consegue.
Lutero e o Vaticano II integraram a contradição do pecado na realidade humana e da igreja. Hegel introduziu, pela antítese, a contradição no pensamento filosófico. Está na hora de a Igreja aceitar uma lógica menos clássica e começar a integrar a contradição à sua própria realidade. O professor Newton da Costa , eminente catedrático brasileiro, formulou uma nova lógica que trabalha com o conceito de quase-verdade. Esta lógica paraconsistente está mais dentro da epistemologia adolescente do que a lógica clássica. Incluir a contradição como quase-verdade, ou verdade provisória, está mais de acordo com o processo de evolução pessoal e intelectual do adolescente.

f. A hermenêutica do trabalho com adolescentes
Em Puebla fez-se uma opção preferencial pelos pobres e pelos jovens . Longe de resolver o problema, isso talvez só nos fez reconhecer a dificuldade existente há tantas décadas e até hoje não resolvida. Basta ver a dificuldade que têm as paróquias em assumir a Pastoral da Juventude em seu seio. Não só da parte do clero existe resistência, mas também de muitos leigos. Não que não existam adolescentes e jovens em nossas igrejas e comunidades eclesiais, mas a maioria mais aceita está em grupos de jovens que não têm ligação com a pastoral da juventude: grupos de movimentos e de espiritualidade. Jovens “bem comportados” que se deixam conduzir por adultos que têm mais experiência e que são jovens há tantos anos . Creio que estas pessoas estão – no mínimo – atrasadas uns 30 anos na caminhada da História da Igreja.
Mas, voltemos ao assunto principal: a opção pelos jovens não foi bem assumida pela igreja, embora no discurso a idealização da realidade exista, mesmo como justificativa para a fuga que se seguiu. Gostaria neste texto de ver apenas algumas das razões que, me parecem, são fundantes para a realidade que se segue.
Como vimos antes, estamos com um problema grande nas mãos. Historicamente, a ICAR não consegue trabalhar bem com adolescentes. Na monografia de mestrado já provei que o que falta para a ICAR é ter proposta e ter método de trabalho com adolescentes. Método alguns até têm, mas proposta de trabalho é o que falta. É fácil dizer para os adolescentes no último dia de encontro da catequese de crisma: agora vocês serão soldados de Cristo e devem continuar a se reunir e a dar testemunho de sua fé!
Vejamos:
• o que significa ser soldado de Cristo? Alguém está em guerra? Temos arruaças na igreja? Contra quem lutaremos?
• continuar a se reunir quando? Onde? Porque? Com quem? Para que? Como que método?
• o que é dar testemunho da fé no mundo de hoje?
Qualquer das perguntas que se faça sobre este discurso só mostra que ele é um discurso vazio e sem consistência, por isso mesmo mistificador. Numa linguagem mais popular, tem o mesmo sentido de: “passa um dia em casa pra tomar um cafezinho”. Quem diz assim, não quer que o outro vá de verdade. Qualquer das perguntas acima daria muito trabalho para ser respondida. A pergunta sobre os soldados de Cristo, teria que ser respondida pela teologia bíblica e pela teologia da missão; a pergunta sobre as reuniões teria que ser respondida com a ajuda da teologia pastoral; a pergunta sobre o testemunho da fé no mundo contemporâneo tanto causa furor na teologia sistemática, como na pastoral, como na moral e na espiritualidade.
Pode-se perceber que uma frase desta, falada num contexto tão rápido, sem encaminhamentos e sem propostas só pode gerar uma mistificação que tem a única finalidade de proteger a instituição de críticas e responsabilidades. Quem não vier mais (quase todos!) não poderá acusar a ICAR de nada. Assim, inverte-se o discurso e quem não quer nada é o adolescente. A vítima passa a ser ré e passível de julgamento.
Mas a realidade nunca mostrou tão claramente que os adolescentes estão cada vez mais místicos e preocupados em assuntos religiosos. Assim como toda a sociedade deste século XXI, a religião nunca esteve tão em moda. Não tenho condições de dizer se hoje se fala tanto de Deus e das religiões porque a espiritualidade verdadeira está em falta ou porque isto consista em um interesse da mídia e da indústria cultural, como forma do capitalismo fagocitar qualquer oposição e aproveitar qualquer possibilidade de lucro. Mas basta assistir televisão, ler revistas ou ouvir rádio (para citar apenas alguns meios de comunicação) para se defrontar com assuntos religiosos, a favor ou contra.
A Teologia da Libertação (TdL) já deu bons frutos nestes anos de caminhada na América Latina e no mundo. De onde brotou a água limpa da TdL, também brotou a Teologia Feminista, a Teologia Negra, a Teologia Queer, etc. Agora está na hora de pensar uma teologia que integre a pessoa humana em processo de crescimento. Uma teologia feita para e por adolescentes. No meu texto BRINCANDO DE CABRA CEGA , eu aponto esta necessidade. A teologia tem se primado em teorizar sobre Jesus, como se ele já tivesse se encarnado pronto e acabado. É preciso uma teologia do processo encarnatório de Jesus. E isso parece exigir um estudo mais aprofundado em outras perspectivas. É preciso construir uma nova hermenêutica para tal. Este é um campo novo e ainda virgem.
Uma hermenêutica nova assim, vai se beneficiar de conceitos e trilhas já traçadas pelas teologias de contexto (feminista, negra, queer, etc). E também deve se beneficiar de novas descobertas nos evangelhos apócrifos. Sim, porque – apesar deles fantasiarem muito sobre a vida de Jesus (e também por causa disto!), nós podemos ver nestes textos um Jesus que errava para aprender. Coisa bem humana, digna mesmo de Deus.
A construção de uma nova hermenêutica que considere a teologia segundo as idades e as etapas da vida humana não será objeto da minha tese de doutorado. Mas fica aqui apontada a sua necessidade. A Universidade Católica vai fazer muito bem para a ICAR se conseguir especialistas e agentes de pastoral – sem esquecer os próprios adolescentes – para debater e começar uma discussão geradora de uma nova prática e de um novo discurso. O discurso nem é tão importante, porque ele será construído depois, com a advento de uma nova prática eclesial, onde os adolescentes sejam protagonistas de um novo processo de cidadania eclesial. Por fim, gostaria de lembrar a quem me escuta que as críticas dirigidas à ICAR são perfeitamente possíveis de serem feitas às Igrejas Luterana, Anglicana e às Igrejas Orientais. Apenas não me atrevo a dar maiores detalhes, visto que este não é o meu propósito nem minha especialidade.

2 comentários:

Anônimo disse...

Pe. Parabéns pelo blog, busque sempre evangelizar, pois vale a pena!
Estamos Juntos!

Unção!

Abraços, Melissa Costa

Melissa e Mateus disse...

Pe. Gostaria de Saber quando o Senhor colocará fotos do II Teen Night que ocorreu em Novembro/2009?
Abraços!