sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Sermão adaptado de S Leao Magno para o Natal (sec 4)


QUARTO SERMÃO NO NATAL DO SENHOR
São Leão Magno, século 4º
(texto adaptado por Paulo F. Dalla Déa e lido em São Carlos, 24/12/2010.

1. Caríssimos, sem dúvida a bondade divina sempre cuidou do bem do gênero humano, e isso de vários modos, e misericordiosamente concedeu os múltiplos benefícios de sua providência a todos os séculos passados;
entretanto, nos últimos tempos, ela ultrapassou toda a abundância da benignidade habitual, a saber, quando em Cristo, a Misericórdia desceu aos pecadores, a Verdade aos desviados, a Vida aos mortos, de modo que o Verbo, co-eterno com o Pai e igual a ele, assumiu a humildade de nossa natureza para uni-la a sua divindade e, Deus nascido de Deus, nasceu, como ser humano, de um ser humano.
É verdade que a promessa foi feita desde a criação do mundo e que a profecia foi constantemente repetida por tantos sinais, atos e palavras; mas que porção da humanidade essas figuras e estes mistérios ocultos teriam salvo, se Cristo, por sua vinda, não tivesse cumprido esses anúncios distantes e velados, e se aquilo que outrora foi proveitoso em promessa para alguns crentes não o tivesse sido, por seu cumprimento, para inúmeros fiéis?
Agora não somos mais conduzidos a fé por sinais e imagens, porque, confirmados pela narração evangélica, adoramos o que cremos realizado; os testemunhos proféticos contribuem para nos instruir, de modo que não temos nenhuma dúvida sobre o que sabemos ter sido anunciado por tão grandes oráculos.
Pois ora é o Senhor que diz a Abraão: “Por tua posteridade serão abençoadas todas as nações”; ora é Davi, que, animado do espírito profético, celebra a promessa divina: “O Senhor jurou a Davi uma verdade, que jamais desmentirá: ‘É um fruto do teu ventre que eu porei em seu trono’ “.
É ainda o mesmo Senhor que diz por Isaías: “Eis que a virgem conceberá e dará á luz um filho, e lhe colocarão o nome de Emanuel, o que”... significa ‘Deus conosco’”.
E em outro lugar: “Um ramo saíra do tronco de Jessé, e uma flor brotará de sua raiz”.
Nesse ramo foi anunciada, sem nenhuma dúvida, a bem-aventurada Virgem Maria, a qual, nascida do tronco de Jessé e de Davi e fecundada pelo Espírito Santo, de seu seio materno, mas num parto virginal, pôs no mundo uma nova flor da natureza humana.
2. Que os justos exultem, pois, de alegria no Senhor, e os corações fiéis, no louvor de Deus; os filhos dos homens proclamem suas maravilhas, porque é principalmente por essa obra de Deus que conhecemos o grande preço que o nosso Criador deu à nossa baixeza.
Ele, que já tinha dado muito ao gênero humano em sua origem, criando-nos à sua imagem, concedeu muito mais em nossa restauração, unindo-se ele, o Senhor, à nossa condição servil.
Sem dúvida, tudo o que o Criador dispensa à sua criatura emana de uma só e mesma bondade; não obstante, é menos surpreendente ver o homem elevar-se até o divino do que Deus abaixar-se até o humano.
Ora, se Deus onipotente não se tivesse dignado fazer isso, nenhuma espécie de justiça e nenhuma forma de sabedoria teriam podido arrancar o homem do cativeiro do diabo e do abismo da morte eterna.
Porque a condenação permaneceria, passando de um para todos com o pecado, e a natureza, corrompida por causa da ferida mortal, não teria encontrado o remédio, incapaz que era de mudar sua condição por suas próprias forças.
Com efeito, o primeiro homem recebeu sua substância carnal da terra e foi animado por uma alma racional que seu Criador insuflou nele, a fim de que, vivendo à imagem e à semelhança de seu autor, conservasse os traços da bondade e da justiça de Deus, numa imitação admirável, que os refletisse como um espelho.
Se Adão tivesse agido com perseverança em conformidade com essa dignidade concedida, observando a lei dada a ele, sua alma, intata, teria conduzido à glória celeste até a parte dele que era seu corpo, tirado da terra.
Mas, em sua falta de reflexão e para sua desgraça, ele acreditou no enganador invejoso e, aceitando os conselhos do orgulho, preferiu apoderar-se do aumento de honra que lhe estava reservado, em vez de merecê-lo;
por isso, não só ele, mas também toda a posteridade que estava nele ouviram esta sentença: “Tu és terra, e para a terra voltarás”.
Portanto, como foi o terreno Adão, tais serão os terrenos seus filhos e ninguém é imortal, porque ninguém é celeste.
3. Para romper essa cadeia de pecado e de morte, o Filho todo-poderoso de Deus tomou em si uma natureza humana, ele, que enche tudo, que contém tudo, que em tudo é igual ao Pai, depois de ter escolhido uma mãe que ele tinha feito e que, salva sua integridade virginal, forneceu-lhe somente a substância de seu corpo; habitariam num homem novo a pureza e a verdade.
Portanto, no Cristo, nascido de uma virgem, mesmo sendo o nascimento admirável a natureza não é diferente da nossa. De modo que, sendo verdadeiro Deus, ele é também verdadeiro homem, sem que haja mentira nas duas naturezas.
“O Verbo se fez carne”, elevando a carne, não diminuindo a divindade; mas elevando nossa natureza. Tomando nossa natureza, nada perdeu da sua, comunicando-a.
No nascimento de Cristo verificou-se a profecia de Davi: “Da terra germinou a verdade, e a justiça se inclinou do céu”.
Nesse nascimento cumpriu-se também a palavra de Isaías: “Que a terra dê seu fruto e faça germinar o Salvador, e, ao mesmo tempo, se levante a justiça”.
A terra da natureza humana, maldita na primeira desobediência, produziu nesse último parto da Santa Virgem um germe abençoado e isento do vício de sua estirpe; sua origem espiritual está adquirida para qualquer um na regeneração, e, para todo homem que nasce de novo, a água do batismo é como o seio virginal: o mesmo Espírito que veio sobre a Virgem vem agora à fonte batismal; assim, o pecado, que foi então aniquilado por uma santa concepção, aqui é tirado pelo banho místico do Batismo.
6. Quanto a vós, caríssimos, aos quais só posso dirigir-me de modo mais conveniente usando as palavras de são Pedro, “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de sua particular propriedade” (1Pd 2,9), vós, que fostes edificados sobre a pedra inabalável de Cristo, inseridos no Senhor, nosso Salvador, pelo fato de ter ele assumido nossa carne, permanecei firmes na fé que professastes na presença de numerosas testemunhas e na qual, regenerados pela água e pelo Espírito Santo, recebestes a unção da salvação e do selo da vida eterna.
Ademais, se alguém vos anunciar algo diferente do que aprendestes, seja maldito!
Não deis a invenções ímpias o lugar que pertence à verdade luminosa; e tudo o que lerdes ou ouvirdes contrário à regra do símbolo católico e apostólico, considerai como absolutamente mortal e diabólico. (...)
Grande segurança é a fé íntegra, fé verdadeira, na qual nada pode ser aumentado nem diminuído por ninguém, porque, se não for uma, não será fé, segundo o Apóstolo: “Um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos nós”.
Inseri-vos, caríssimos, com espírito inabalável, nessa unidade e nela “segui toda santidade”; nela cumpri os preceitos do Senhor, porque “sem fé, é impossível ser agradável a Deus”, e sem ela nada é santo, nada é casto, nada é vivo, “porque o justo viverá da fé”; aquele que, enganado pelo diabo, a perder, vivendo, está morto, porque, como pela fé se obtém a vida eterna, como diz o Senhor Salvador: “A vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo”, o qual vos faça progredir e perseverar até o fim, ele, que vive e reina com o Pai e o Espírito Santo pelos séculos dos séculos. Amém.

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